(Publicado no «Expresso», de 13 de Setembro de 2003)
Nos últimos dias, as televisões têm-nos bombardeado com o problema de muitas famílias sem grandes posses que têm de gastar muito mais dinheiro do que aquele que desejavam com os estudos dos filhos. Sentem que é necessário que os filhos usem «produtos de marca» a fim de não se sentirem discriminados negativamente perante os seus colegas, filhos de gente rica.
Um amigo lamentava este facto e procurava descortinar uma solução que contrariasse esta tendência social para a competição nos aspectos da ostentação de riqueza, desprezando os verdadeiros valores pessoais. Recordou-me que, em fins da década de 1940 numa cidade de província, o reitor do Liceu obrigava ao uso de uma bata branca, que ocultava as diferenças dos sinais exteriores de riqueza. À chegada, os alunos passavam pelo vestiário onde deixavam o guarda-chuva, a gabardina, etc. e vestiam a bata, fazendo o inverso à saída. Os cadernos diários das disciplinas eram de modelo único adquiridos na cantina liceal.
Havia um aluno, filho de proprietários agrícolas de poucas posses, que se deslocava diariamente a pé, entre a sua aldeia e o Liceu. Usava botas de «sola de pneu» e as roupas, devido à poeira, à lama, à chuva e ao vento, das suas viagens de duas vezes seis quilómetros, não apresentavam aspecto muito famoso.
Como por essa data, não havia competição pelo calçado, roupas, mochilas, etc. de marca, como os artigos escolares não se prestavam a ostentação, como era usada a bata, esse aluno nunca foi discriminado, antes foi apreciado por todos por conseguir altas classificações. Estas eram um factor primordial de apreço, muito acima dos aspectos exteriores.
Da recordação de tudo isto e da reflexão sobre o actual problema dos pais, surgem as perguntas: um aluno de hoje, em condições semelhantes às daquele que se recordou, a perder em viagens perto de três horas por dia, a fazer os trabalhos de casa à luz do petróleo, a passar vários dias com a roupa molhada pela chuvada matinal, conseguiria suportar a pressão dos colegas ricos e obter boas classificações e acabar o curso superior bem cotado?
Como garantir hoje que os jovens saibam assumir aquilo que são, os seus valores intrínsecos, e aprendam a viver com o que têm? Como aprenderão que «basta ser feliz; não é necessário ser mais feliz do que os outros»?
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
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