(Para o blogue «A Voz do Povo» em 27 de Agosto de 2006)
Tem sido muito atacado o valor exorbitante que as famílias gastam com a abertura do ano escolar. Além dos manuais escolares e outro material obrigatório, conta muito a exigência dos estudantes de produtos de marca, para não ficarem mal vistos na competição da ostentação com os colegas. Uma mãe queixava-se: «Como é que eu explico à minha filha de seis anos que ela não pode ter aquilo que todos os outros têm? Que ela deve aguentar porque o orçamento familiar não dá?». Os pais atacam as grandes superfícies por procurarem atrair os clientes para os produtos mais caros. Atacam a publicidade por exercer grande poder de influência no potencial consumidor.
Como não consigo ficar indiferente a uma situação tão «dramática» como a daquela mãe, penso que poderá ser útil lembrar a muitas pessoas, como ela, que o ensino, ou melhor a educação, começa em casa, quando ainda se pode «torcer o pepino», e que há além de outras, estas três coisas que é imperioso e urgente ensinar aos filhos:
1. As pessoas devem dar mais valor à originalidade, à inovação, à criatividade nas soluções, do que à imitação, à cópia e ao seguidismo da moda e do que vêm nos outros. É degradante ver os meninos da escola todos com mochilas com o mesmo boneco. Parece uma formatura de militares, e hoje todos criticam a Mocidade Portuguesa!!
2. A publicidade não é feita para benefício do consumidor mas sim para lucro do produtor e do vendedor. Cada consumidor deve avaliar as suas necessidades e ver, de entre os produtos existentes, qual o que mais lhe interessa, atendendo ao dinheiro de que dispõe e às outras despesas que tem de fazer. Estou de acordo com as técnicas de venda dos hipermercados e com todos os tipos de publicidade, desde que não seja enganosa e que não recorra a imagens de violência ou de imoralidade. As pessoas reflectem sobre ela e, depois, são livres de tomar as suas decisões. Recebo vários telefonemas por semana a quererem vender-me maravilhas; ai de mim se não soubesse pensar e dizer que não estou interessado!!
3. O dinheiro é um bem finito. Aquele que se gasta na guloseima deixa de estar disponível para o lápis e a borracha ou o caderno. Habituar os miúdos à mesada ou semanada pode ser útil para aprenderem a gerir o dinheiro, sabendo o seu valor e os seus limites, e a importância da pequena poupança para fazer face a necessidades advindas.
Claro que há pessoas como a referida mãe que não sabem dizer não aos filhos e aproveitar a oportunidade para lhes explicar estas coisas que são lições práticas da vida. Mas, sem estas lições na tenra idade, está-se a criar uma geração de futuros empresários e políticos incapazes de gerir os interesses das empresas e do país. E... depois, como será o país? Que futuro irão ter esses meninos de hoje? Ser pai exige muita responsabilidade. «Quem dá o pão, dá a educação».
Quanto a ultrapassar o receio de os filhos se sentirem discriminados negativamente perante os seus colegas, filhos de gente rica, um amigo lamentava este facto e procurava descortinar uma solução que contrariasse esta tendência social para a competição nos aspectos da ostentação de riqueza, desprezando os verdadeiros valores pessoais. Recordou-me que, em fins da década de 1940 numa cidade de província, o reitor do Liceu obrigava ao uso de uma bata branca, que ocultava as diferenças dos sinais exteriores de riqueza. À chegada, os alunos passavam pelo vestiário onde deixavam o guarda-chuva, a gabardina, etc. e vestiam a bata, fazendo o inverso à saída. Os cadernos diários das disciplinas eram de modelo único adquiridos na cantina liceal.
Havia um aluno, filho de proprietários agrícolas de poucas posses, que se deslocava diariamente a pé, entre a sua aldeia e o Liceu. Usava botas de «sola de pneu» e as roupas, devido à poeira, à lama, à chuva e ao vento, das suas viagens de duas vezes seis quilómetros, não apresentavam aspecto muito famoso.
Como por essa data, não havia competição pelo calçado, roupas, mochilas, etc. de marca, como os artigos escolares não se prestavam a ostentação, como era usada a bata, esse aluno nunca foi discriminado, antes foi apreciado por todos por conseguir altas classificações. Estas eram um factor primordial de apreço, muito acima dos aspectos exteriores.
Da recordação de tudo isto e da reflexão sobre o actual problema dos pais, surgem as perguntas: um aluno de hoje, em condições semelhantes às daquele que se recordou, a perder em viagens perto de três horas por dia, a fazer os trabalhos de casa à luz do petróleo, a passar vários dias com a roupa molhada pela chuvada matinal, conseguiria suportar a pressão dos colegas ricos e obter boas classificações e acabar o curso superior bem cotado?
Como garantir hoje que os jovens saibam assumir aquilo que são, os seus valores intrínsecos, e aprendam a viver com o que têm? Como aprenderão que «basta ser feliz; não é necessário ser mais feliz do que os outros»?
O regresso de Seguro
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