segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

DECISÕES PORQUE SIM

Persistência em decisões erradas, porque sim
(Publicado no Semanário DIABO em 29 de Janeiro de 2019)

Como terminará o problema do Brexit, ou a birra dentro do PSD, ou o aeroporto para o Montijo ou para Alverca ou para Alcochete, o muro na fronteira com o México, ou a guerra comercial com a China ou a confrontação dos EUA com o Irão ou com a Coreia do Norte, etc. Poderá resultar de um azar de lotaria ou até de um estudo racional bem elaborado assente nas vantagens e inconvenientes de cada solução dando possibilidade de escolher a melhor. Esta última hipótese só pode vir de uma cabeça sonhadora e um tanto ingénua quando se trata de enfrentar um decisor teimoso que não gosta de recuar, por vaidade.

Mas, em política, esta decisão inteligente, seguindo uma metodologia semelhante à que expus no artigo aqui publicado em 29 de Setembro de 2016, não é muito do gosto de governantes. Não foi por acaso que nas tricas no PSD, os apoiantes de cada um dos litigantes acusaram o rival de nada ter feito senão política, com o que queriam significar que, na política, não paciência nem vontade para lutar por uma estratégia, bem estudada e bem definida e concretizada com rigor, que leve Portugal a bons resultados para o desenvolvimento e para uma melhor qualidade de vida. Na política, nada se aprende para melhorar o desempenho das funções e o que impera é a decisão rápida (em cima dos joelhos), a teimosia do «quero, posso e mando» e a vaidade leva a recusar dar um passo atrás, para não lhe chamarem tolo.

Faço sobre isto referência a um conto de George Orwell, intitulado «Abatendo um elefante» em que um agente da polícia imperial britânica na então Birmânia foi chamado para abater um elefante que a população em geral afirmava estar descontrolado. Quando finalmente chegou perto do bicho feroz, este já estava longe de qualquer aldeia e calmo, pelo que matar aquele belo animal seria cruel e desnecessário. Mesmo assim, o agente disparou sobre ele, e matou-o. Perguntaram-lhe porquê? E ele respondeu “para evitar fazer figura de tolo”.

Assim gira a engrenagem política.

Não devemos esquecer: a “bomba mãe de todas as bombas”, explodida pelos EUA no Afeganistão, em 13 de Abril de 2017, contra o grupo extremista Estado Islâmico, sem depois se ver, como resultado, os efeitos benéficos desejados, com tal vaidade e arrogância. O uso da bomba GBU-43 / B foi para "minimizar o risco" quer para as forças afegãs, quer para as forças norte-americanas que combatiam o Estado Islâmico em Achin, por se desejar que destruísse os abrigos em túneis e outros subterrâneos, onde o inimigo se escondia. Provavelmente, oficiais experientes em trabalhos de estado-maior, desaconselharam tal atitude arrogante por não serem garantidos resultados compensadores. Mas nada impediu a explosão da qual não resultou a destruição esperada no inimigo e, pelo contrário, este encheu-se de ódio vingativo e, nove dias depois, lançou um ataque contra uma base militar afegã, no norte do país, numa altura em que soldados estavam reunidos para rezar, tendo causado a morte a mais de 100 soldados e ferimentos em muitos mais. Tratou-se de uma dezena de assaltantes fortemente armados e que durou pelo menos cinco horas. Isto mostra que a teimosia arrogante raramente traz resultados compensadores.

Mas, apesar de todos esses inconvenientes, na política usa-se a insensatez de decidir por impulso ou capricho, prometer e depois, se não conseguem que o povo esqueça o prometido, acabam por cumprir. Ainda há poucos dias alguém dizia «está decidido, a solução é esta e não se fala mais noutras modalidades». Porque sim, para não o chamarem tolo.

O contista George Orwell sabia que os vaidosos não gostam  de mostrar sinais de fraqueza.

António João Soares
22 de Janeiro de 2019


terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A SABEDORIA E A VERDADE

A sabedoria e a verdade

A difusão de palavras, e ideias, de doutrinas não é suficiente para convencer pensadores ávidos de conhecimento e da verdade, e por maioria de razão, para esclarecer as pessoas menos sabedoras. É certo, porém, que os menos conhecedores e mais carecidos de inteligência podem ser enganados e iludidos, temporariamente, mas depressa se mudarão para outro propagandista ou falso profeta.

Ora, se não bastam palavras, ideias ou doutrinas para convencer as pessoas, de que maneira se devem conduzir estas a aderir a uma corrente de pensamento ou a uma doutrina científica ou social? Há argumentos imbatíveis: os da realidade, da verdade dos factos, das realizações claras e iniludíveis que não podem ser desmentidas.
Perante isso, os nossos políticos, principalmente alguns jovens pouco documentados de forma multifacetada, que procuram destruir os feitos dos nossos heróis históricos, os valores do nosso passado nacional e pretendem baralhar os espíritos mal preparados sobre género, racismo, escravatura e sobra falácias «doutrinárias» sobre direitos, estão condenados ao insucesso e descrédito, sem o futuro que ambicionam.

Por exemplo, em vez de usar palavras, ideias e opiniões sobre a diferença entre os últimos 45 anos e igual período imediatamente anterior, será mãos convincente preparar uma realista verdadeira das realizações concretizadas em cada um dos períodos, em obras públicas de interesse nacional, das reformas efectuadas nos principais serviços públicos de defesa, de segurança, da saúde, de justiça, etc. E depois façam-se comparações verdadeiras e honestas, com base em decisões, acções, realizações, e evitem-se palavras balofas e intencionalmente enganadoras.

António João Soares
22-01-2019

CRISE E EVENTUAL AUSTERIDADE

Crise e eventual austeridade
(Publicado no Semanário DIABO em 22 de Janeiro de 2019)

Tentar fazer face à falta de mão de obra recorrendo a imigrantes é uma solução com graves perigos. Além de ser difícil escolher os especialistas mais necessários para certas tarefas e de eles virem em busca de remunerações elevadas, pondo em perigo a reivindicação dos nacionais por elevação substancial do salário mínimo nacional, há o risco de entrarem indivíduos vulneráveis a incitamentos para a execução de actos lesivos da segurança das empresas ou mesmo de terrorismo. Convém recordar que o Império Romano caiu nas mãos dos godos que tinham sido recebidos amigavelmente, como refugiados, após terem sido derrotados pelos hunos.

Actualmente, há vários parceiros europeus a braços com o inconveniente de terem recebido imigrantes, como é o caso da França, da Inglaterra, da Alemanha, o que levou a Itália, assim como outros países europeus, a recusar a entrada de mais.

Antes de recorrer a essa solução extrema para obtenção de mão de obra, devem dar-se incentivos para reduzir o desemprego, criando nas empresas prémios para os trabalhadores mais produtivos, o que irá fazer subir os salários mínimos para os melhores e melhorará a produtividade e a qualidade do trabalho.

Tal como está a ser pensado, agravam-se as diferenças entre trabalhadores nacionais e imigrados, o que pode contribuir para aumentar o número dos nossos emigrantes que saem à procura de melhores remunerações e condições de trabalho. A tentativa de aliciar os nossos actuais emigrantes a regressar não parece resultar por eles se encontrarem em condições mais favoráveis no estrangeiro do que as que aqui iriam ter. Não foi por acaso que emigraram.

Para se evitar aspectos ameaçadores de crise ou condições de maior austeridade, será útil auscultar, com serenidade, as opiniões dos trabalhadores nacionais, por todo o lado, a fim de se concluir sobre a necessidade de pequenas reformas que melhorem a produtividade do trabalho e desencorajem a emigração e, possivelmente, incitem ao regresso de alguns emigrantes que se encontrem menos satisfeitos lá fora. Infelizmente, os governantes parecem demasiado confinados à capital, mais interessados em se manter no Poder e desprezando algumas das suas funções essenciais, como a defesa dos interesses dos cidadãos e a melhoraria da sua qualidade de vida.

Por vezes, há governantes que, viciados no seu alheamento da vida real nacional, aconselham pessoas descontentes, como foi dito aos professores em Dezembro de 2011 “olhem para o mercado de língua portuguesa para encontrar lá uma alternativa”. Se eles não encontravam vaga cá, seria preferível optarem por outra actividade, provisoriamente, até poderem regressar ao ensino.

Devido a o ensino secundário ter deixado de dispor de ensino técnico, acabou por haver jovens que abandonaram os estudos e outros que, depois de licenciados, tiveram de se empregar em serviços de menor exigência escolar, mas a seu gosto. É preferível procurar emprego a ficar de braços caídos a viver de esmolas de familiares ou de qualquer generoso. E a ociosidade é mãe de todos os vícios e de muitos crimes.

Há alguns anos, dois ou três professores do secundário decidiram, nos tempos livres, cultivar uns terrenos de familiares com métodos mais modernos, optando pela agricultura biológica e cultivando produtos que eram raros na região. Estavam satisfeitos com os resultados. Muitos outros poderiam imitar essa iniciativa.

Enfim, há formas diversas de se lutar contra o desemprego e contra a falta de mão de obra, sem ser necessário receber migrantes que buscam outras coisas. E a propósito, a solução de meter os jotinhas em tudo o que é serviço público, onde apenas vão receber o salário ou aumentam a burocracia e criam confusão, também não parece ser solução sensata. ■

António João Soares
15.01.2019


sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

A INCÓGNITA DE AMANHÃ

A incógnita de amanhã
(Publicado no Semanário O DIABO em 15 de Janeiro de 2019)

Na mesma manhã surgiram-me três textos que me ajudam a reflectir sobre as preocupações quanto ao futuro da Humanidade, relacionadas com o mau uso das tecnologias que tem sido permitido nos anos mais recentes por governantes distraídos quer no ensino quer no jogo de interesses menos éticos. São: a entrevista dada pelo filósofo José Gil a jornalista do Diário de Notícias, a opinião de Gordon Brown acerca da encruzilhada em que se encontra a globalização, com reequilíbrios geoeconómicos e geopolíticos, e as palavras de Unamuno, reitor da universidade de Salamanca, em 12 de Outubro de 1936, com 77 anos, a uns agitadores franquistas: “Vencereis porque tendes, de sobra, a força bruta. Mas não convencereis. Para convencer há que persuadir. E para persuadir necessitaríeis de algo que vos falta: razão e direito na vossa luta”.

José Gil afirma que era tradicional um conjunto de valores e uma moral que suportavam um arsenal tradicional de categorias de direitos, de cidadania, de tolerância e de justiça. Mas esses valores, embora se tornassem universais, não foram eficazes, porque os humanos não somos capazes de nos transformar de modo a que a nossa sociedade, perante a história conflitual se modifique racionalmente. E também pode haver um falhanço teórico por alguns pensadores criticarem tais valores.

Todo o ser vivo é inteligente, mas a inteligência desenvolve-se em conformidade com o seu contexto natural e as suas necessidades vitais. A inteligência dos humanos “manifesta-se na técnica e na ciência e na articulação entre as duas”. A técnica é neutra e dá bons ou maus resultados conforme a sua utilização e tem sido usada ao máximo na exploração capitalista do planeta, pondo em risco a extinção da vida na sua superfície. A evolução da técnica tem uma vocação de não parar e tudo leva a temer “que estamos cada vez mais perto de um perigo iminente”.

Os anunciados desequilíbrios ecológicos podem originar desequilíbrios funcionais da espécie humana e não se vê um plano possível de inverter a sua evolução. Para isso seria indispensável acordo político para encarar os problemas, nas suas causas, mas os atritos constatados nas cimeiras para o clima, mostram a impossibilidade de ser encontrada a solução mais adequada. Isso faz prever, para breve, a extinção, a não ser que ocorra uma catástrofe ecológica que, sem provocar o desastre final, exija mais consciência ecológica mundial sobre os erros e omissões que têm ocorrido e origine uma benéfica convergência de esforços.

Torna-se urgente a adopção de medidas eficazes e aplicadas imediatamente. Há intenções e propostas para acabar com o aumento de mais de um grau e meio na temperatura média global, mas os políticos não as têm usado. Porque não são cumpridas? Eles esquecem que os tempos são outros e vivemos numa urgência de evitar uma morte iminente. As causas de tal negligência são múltiplas e têm de ser bem analisadas, para serem ultrapassadas sem demora. Todos os problemas sociais e políticos devem ser devidamente analisados nas suas causas a fim de os efeitos serem controlados de forma pacífica, benéfica e harmoniosa.)

Segundo Gordon Brown, no ano passado, houve uma viragem na globalização, levando ao aparecimento de pequenos movimentos nacionalistas de que a China está a beneficiar com infiltrações em África, na Europa e na América do Sul, preparando um mundo de dois sistemas em vez da ordem internacional liderada, durante várias décadas, pelos EUA. Na última década marcou uma mudança notável no equilíbrio do poder económico. O centro de gravidade económico do Mundo mudou, o Grupo dos sete mudou, e originou o G24. O FMI irá mudar a sede, possivelmente dentro em pouco para a China. A estrutura mundial será alterada não apenas no aspecto económico mas também geopolítico. De unipolar, com os EUA no topo, passará para bipolar com a China a falar alto. E depois? ■

António João Soares
8 de Janeiro de 2019

sábado, 12 de janeiro de 2019

13 DE JUNHO DE 1974 - MÁRIO SOARES

Memória de 13 de Junho de 1974
Escrito em 13 de Junho de 2009)

À hora marcada, estava no aeroporto da Portela para me juntar a um pequeno grupo que ia partir para Londres onde iria ter lugar um encontro entre representantes do poder Português com o PAIGC (Partido Africano Para a Independência da Guiné e Cabo Verde). Fazia-me acompanhar de uma volumosa pasta com dossiês relativos ao dispositivo militar na Guiné que foi preparado meticulosamente a fim de poder ajudar os futuros elementos armados da Guiné a substituírem os nossos militares nos diversos pontos do território, por forma a manterem a ordem sem sobressaltos e prepararem um futuro promissor para as diversas etnias que iam passar a ter uma autonomia responsável.

Fui nomeado pelo governador Carlos Fabião depois de ter ouvido o meu chefe directo que me consideraram o elemento do Comando Chefe com mais informação para o efeito desejado.

No aeroporto encontrei-me com o Manuel Monge, hoje general, e pouco depois chegaram Mário Soares, Almeida Santos e Jorge Campinos. Já todos conheciam o Monge. No entanto, Mário Soares, perguntou quem era o João Soares (por exclusão de partes não lhe era difícil saber que era eu) e disse que o filho também se chama João Soares. Foi uma forma simpática de me introduzir no grupo. E informou que a reunião não seria em Londres porque o PAIGC tinha dito que não se sentia à vontade para discutir o assunto em casa de um nosso aliado e tinha proposto a Argélia, o que Portugal aceitara. De maneira que íamos tomar um avião para a Argélia via Paris.

Chegados lá instalámo-nos numa moradia e foi-nos oferecido chá de menta e tâmaras à discrição, além de comodidades muito aceitáveis. Tínhamos sido alertados para a hipóteses de as conversas serem escutadas e gravadas, pelo que ou falávamos no jardim relvado distantes dos canteiros ou à volta de uma mesa em cujo centro colocávamos um rádio que empastelava as nossas vozes em eventual gravação.

No dia seguinte tivemos o encontro e as conversas bilaterais em que o PAIGC era representado por um grupo do tamanho do nosso, sob a chefia de Pedro Pires.

Estou agora a recordar isto e a escrever pela primeira vez, porque é o aniversário desse evento e porque as notícias recentes mostraram, mais uma vez, que a Guiné não soube ou não conseguiu aproveitar da melhor forma a oportunidade de ser um País independente capaz de se governar para bem-estar do seu povo e desenvolvimento das suas potencialidades que, diga-se a verdade, não eram muito promissoras. Mas houve um pormenor que na altura me impressionou e agora recordo com vontade de não o manter no sufoco.

Nas conversações quem falava era Pedro Pires de um lado e Mário Soares do outro (nosso) com pequeníssimas intervenções de Almeida Santos e Jorge Campinos. A dada altura, Pedro Pires na sua arenga contra a repressão dos militares portugueses (o que não podia surpreender, porque era esse o papel que ali estava a representar) falou nos campos de concentração em que tinha sido colocada grande parte da população guineense. O Monge deu-me um toque de joelho e trocámos um olhar de espanto por não ter havido reacção de Mário Soares e, de forma discreta, dissemos que no intervalo íamos chamar-lhe a atenção por ele não ter reagido.

Chegados ao intervalo e após o primeiro gole de chá de menta, mostrámos-lhe o nosso espanto por ele ter deixado sem esclarecimento essa alusão, feita de forma despropositada e hostil, aos aldeamentos construídos quase no estilo de aldeias turísticas dos nossos tempos, com água, proximidade dos campos de cultivo em locais escolhidos pelas pessoas importantes da aldeia (homens grandes) e que muito nos impressionava que os soldados que as construíam, que viviam nas suas aldeias do interior do País com a família em péssimas condições em comparação com aquelas, trabalhavam sem refilarem nem exigirem nada de semelhante para as suas aldeias. Aceitavam o seu espírito de missão sem qualquer sombra de ressentimento, tal fora a sua preparação militar.

Mas Mário Soares que conhecia a Guiné apenas através dos programas que a oposição fazia publicar na Rádio Moscovo, na Rádio Argel, na Rádio Praga e outras, não conhecia minimamente o produto que estava a «vender» ou a dar e não podia dialogar com o «comprador» ou aceitador. E argumentou, como motivo para não ter reagido à alusão a «campos de concentração», a existência do arame farpado que cercava os aldeamentos. Foi-lhe explicado que a única razão era dar alguma protecção aos habitantes contra os roubos dos seus haveres pelos combatentes africanos ocultos no mato na região e que fora pedido pelos «homens grandes» do aldeamento. Limitou-se a dizer «porque não me disseram isso antes?». Para o que não podia haver resposta, pois o desejado «briefing» prévio devia ter sido determinado por ele.

Regressado, a Lisboa voltei a Bissau com a pasta pesada com os dossiês intactos sem terem sido sequer referidos, frustrado pela inutilidade do esforço e pelo amadorismo das «conversações», fiz o relatório ao Governador Carlos Fabião e sugeri que nomeasse outro seu delegado para as novas rondas das conversações, pois não estava interessado em continuar. Veio a ser nomeado Hugo dos Santos, agora general. Pouco depois terminava os dois anos de serviço ali e, apesar disso e de ter regressado definitivamente a Lisboa, ainda lá fui algumas vezes a pedido do governador que depositava em mim confiança para alguns contactos com as altas esferas militares.

Concordo que a descolonização foi feita sob pressões anormais e irracionais, mas devia haver coragem para parar e pensar na melhor forma de garantir o futuro das populações locais, de maneira a não perderem os efeitos positivos do bom que existia e poderem desenvolver todas as hipóteses de melhorar. Não houve a serenidade e o bom senso necessários, não tinha havido preparação de pessoas válidas para o enquadramento da vida social e económica, nem segurança para agirem da forma mais correcta, e depois foi o que se tem visto, até aos nossos dias, passados 35 anos.

A República da Guiné Bissau não começou com os melhores augúrios e tropeçou ao dar os primeiros passos. Oxalá, agora após 35 anos, haja sensatez para recuperarem o bom rumo e superarem da melhor maneira os sofrimentos de todo este tempo.


quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

VERDADE E TRANSPARÊNCIA

Verdade e transparência
(Publicada no Semanário O DIABO em 8 de Janeiro de 2019)

Não gosto de perder tempo com leituras que não tragam informação credível e útil. Mas, infelizmente, tal material enriquecedor do saber é demasiado raro, perante o amontoado de fantasias ilusórias que nos são atiradas aos olhos a cada momento. A verdade e a transparência são cada vez mais raras e, por isso, mais preciosas.

Os discursos de Natal do PR e do PM, perante os poucos extractos que vi, são demasiado falaciosos quanto à vida nacional actual, que pintam com cores de tal forma optimistas que parece virem de estranhos que desconhecem as realidades em que vivemos. Será que acham que tudo tem melhorado e pretendem a continuidade? Continuidade de quê? Das greves que tanto têm prejudicado os inocentes cidadãos, na saúde, nos transportes, na Justiça e em vários serviços públicos, dos incêndios, dos acidentes rodoviários, de actos de violência, de falta de manutenção das estradas (caso de Borba e outros), de deficiente preparação da população para prevenir situações de risco, do aumento da dívida, etc.?

Em vez de continuidade, na fase de mudança em que o Mundo se encontra devido à rápida evolução das tecnologias, será preferível planear e executar uma reforma estrutural que faça o País desenvolver-se para proveito dos mais carentes, acabar com a dívida pública, inverter o crescimento escandaloso dos impostos, dos quais apenas tem resultado benefício para os políticos e os apêndices criados com nomes de “observatórios” e muitos outros, e de que não se vê proveito para os contribuintes, mas apenas para os tachistas amigos dos titulares do Governo.

Os governantes, como agentes do poder executivo, devem servir com eficiência o povo que governam e que deles espera segurança e melhor qualidade de vida, em vez de o tratarem como coisas possessivas e hipotecáveis, e não concentrar-se numa imensa teia clientelar em torno de familiares, amigos, compadres, afilhados, todos sedentos de riqueza e imagem.

E para servir o povo com verdade e transparência, não devem ser feitas promessas que depois são esquecidas. Por exemplo, é caricato e degradante “prometer” que em fins de 2019 serão iniciadas obras para resolver as carências da pediatria do hospital de S. João, em vez de informar e pedir desculpa por o problema não ter ainda sido resolvido.

As promessas feitas aos cidadãos ficam, na sua maioria, esquecidas pouco tempo após a sua afirmação. É certo que o povo, que em democracia é considerado detentor da soberania, é na sua maioria crédulo e deixa-se enganar por aldrabões que, usando de discursos fantasiosos, o levam a suportar as piores atrocidades que virá a sofrer. Mas acabará por despertar da sua actual apatia, ver que o País em vez de produzir riqueza e reduzir o número de pobres, aumenta os impostos que divide pelos ricos, e acabar por se revoltar, de forma mais ou menos violenta. Convém reflectir nesse risco.

Mas o deficiente sentido de Estado, a falta de sensatez e de conhecimento das realidades parece tornar os discursos mais fantasiosos e orientados para campanha eleitoral relacionada com eleições ainda distantes, mas que já estão a lesar a vida real dos cidadãos. Seria mais prudente e mais conducente à obtenção de resultados o estudo, planeamento e execução de obra visível, enriquecedora do património nacional. Alguém já sugeriu que se faça uma lista das obras realizadas após o 25 de Abril e outra, com igual critério, das realizadas em igual período de 44 anos e meio, anterior a essa data, para se poder comparar. E além desse resultado, desse período veio uma quantidade de toneladas de barras de ouro e no período actual fica uma dívida pública que irá pesar no bolso de várias gerações. Pesada herança que os governantes se recusam a encarar com seriedade e transparência. ■

António João Soares
2 de Janeiro de 2019


terça-feira, 1 de janeiro de 2019

DEVERES E DIREITOS

«Deveres e direitos»
(Publicada no Semanário O DIABO em 2 de Janeiro de 2019)

Ultimamente tem havido muitos acidentes que são consequência do desprezo pelos deveres relacionados com a carência de preparação para o cumprimento de tarefas da própria função assumida. Isto verifica-se a todos os níveis da vida nacional, desde os trabalhadores mais humildes aos governantes de mais altos cargos.

Reflectindo sobre o caso, conclui-se ter havido uma mudança dramática depois do 25 de Abril que levou as pessoas a falar abusiva e teimosamente de direitos e esquecendo os deveres. E não são apenas os enfermeiros grevistas que, para defenderem aquilo que dizem ser seu direito, se esquecem de que colocam as vidas e a saúde de muitos doentes em perigo, por não cumprirem os seus deveres profissionais, o respeito pelos direitos das pessoas aos cuidados de saúde, o dever ético de sensibilidade, solidariedade, ajuda, colaboração, prevenção e contributo para uma humanidade mais feliz e harmoniosa.

Conheci o Regulamento de Disciplina Militar (RDM) cujo artigo 4º continha inúmeros deveres e não havia nenhum artigo a falar de direitos. Mas hoje apenas se ouve falar de direitos e ninguém se refere a deveres nem a responsabilidades. E, ao mais alto nível da sociedade, há quem se considere imune e impune, desprezando as próprias leis, como se elas fossem apenas para os outros e chegando a acções inqualificáveis, como tem acontecido com alguns deputados, segundo consta nos jornais. Até já ouvi, com muito espanto, governantes afirmarem que o Governo não era responsável pelo acidente na estrada de Borba, pelos incêndios destruidores de vidas e de haveres, como o de Pedrógão ou pela demora da reacção à queda do helicóptero do INEM em que morreram quatro pessoas qualificadas. E o espanto assenta no facto de o Poder Executivo ser o mais alto responsável por tudo o que acontece ou deixa de acontecer no País. Não pode sacudir a responsabilidade para ninguém, a não ser pedir contas a instituições que dele dependem.

Mas muitas dessas instituições não foram dotadas de direcções escolhidas pela competência e pela experiência assente no sentido do dever que as levasse à procura da correcção das acções a praticar, com sentido de responsabilidade, preocupação na excelência dos resultados, para bem de Portugal e dos portugueses.

E, já que referi o RDM, ele tem contribuído para a formação ética de gerações de heróis nacionais que se distinguiram pela moralidade e dignidade dos seus comportamentos na qual se baseava a sua promoção aos sequentes cargos, inclusivamente a promoção a General que era decidida pelo Conselho Superior do seu Ramo. Infelizmente, há poucos anos, o Governo decidiu intrometer-se em tal gestão de pessoal, sobrepondo critérios políticos aos da experiência e competência, o que já deu resultados criticáveis. Os jornais referiram que o anterior CEME da simpatia do PM, retirou das funções o comandante do Regimento de Comandos por, no discurso que proferiu numa cerimónia militar da Unidade, ter referido o modelo exemplar de seu antecessor que tinha morrido recentemente poucos dias depois de ter sido condecorado no leito do hospital pelo PR pelo seu comportamento meritório. Esse falecido, apesar da sua competência, não era da simpatia do CEME.

Desde os bancos da escola e nas diversas profissões deve haver o cuidado de alertar cada trabalhador, cada funcionário, para os seus deveres e a forma de efectuar correctamente as tarefas. A notícia da demora de duas horas da chegada dos socorros ao local do acidente do helicóptero, traduz falta de sentido de responsabilidade e de cumprimento do dever dos intervenientes no funcionamento das comunicações. Pode até ter acontecido que, se tivesse havido um comportamento excelente pudessem ter sido poupadas algumas vidas.

Não esquecer que, mais do que os direitos, valem os deveres.

António João Soares
25 de Dezembro de 2018