quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Ensino - Ferramenta do desenvolvimento

Publicado em 5 de Fevereiro de 2007 no Do Miradouro.

O convite para ombrear com escritores tão competentes, tanto no aspecto literário como na capacidade de investigação e análise e na explanação de raciocínios bem elaborados de forma lógica e racional constitui para mim um desafio difícil mas também uma oportunidade de aprender com eles, com as suas opiniões orientadas para o aprofundamento de assuntos que virão enriquecer os meus conhecimentos. Porém, temo não poder dar grande contributo por ser um ignorante, descomprometido, fora de qualquer sistema e que apenas pretende olhar com isenção, à distância, no âmbito dos conceitos, os problemas que condicionam o desenvolvimento de Portugal que amo, embora me desiluda em muitos aspectos. Procurarei traduzir a posição do pastor de cabras da Serra da Estrela, sem escolaridade significativa, sem acesso à comunicação social, limitando-se ao pequeno rádio de pilhas, e aos contactos eventuais quando da ida à aldeia comprar o pão e as azeitonas que lhe servem de alimento na serra. Mas do alto do mirante, olhando de longe planície, os pensamentos vogam libertos, sem amarras, fixando-se num ou outro ponto que pareça mais significativo na vida colectiva. Crítico, por vezes incisivo, por vezes irónico, ele deixa sempre uma pista, mais ou menos explícita e optimista para sair da situação em observação. Quem veste esta capa serrana, merece condescendência, compreensão e tolerância, qualidades que todos devemos cultivar para que o convívio numa sociedade civilizada seja mais harmónico e pacífico. Procuro ser merecedor da boa vontade dos meus leitores.

Orientado pelo grande desejo de ver o País no caminho dos maiores, escolho para abertura da minha colaboração o tema do Ensino, por ele constituir a base em que assenta tudo o que de melhor pode ser feito, para engrandecer este rectângulo pequeno, mas com «metástases» de emigrantes em todos os continentes. É de desejar e esperar que surjam opiniões diferentes, até frontalmente opostas às que aqui deixo, mas peço que não me chamem burro, mesmo que possa parecê-lo, pois para mostrarem que não concordam com as minhas opiniões, a melhor forma é exporem as vossas e explicarem as vossas razões e deduzirem soluções, práticas e viáveis, para os problemas que afectam o futuro dos nossos vindouros.

O ensino é uma parte da educação, tendo esta início desde o nascimento da criança ou, segundo alguns cientistas, desde a gestação, pois o feto já é receptivo a influências do ambiente sonoro em que a mãe se movimenta. Mas, após o nascimento e com as primeiras mamadas, a criança começa a receber condicionamentos das suas atitudes e comportamento que é desejável serem adequados à sua integração na sociedade. A palavra disciplina poderá parecer muito agressiva, mas no fundo é disso que se trata, pois o civismo, o convívio com os outros não a dispensam. A integração na família e na sociedade obriga a «ter maneiras», isto é, a respeitar os direitos dos outros a fim de merecer o direito a ser respeitado. Em sociedade ninguém tem apenas direitos, tem também deveres para com os outros e, por isso, é errado convencer as crianças que têm direito a tudo e nenhum dever para com a sociedade. Essa educação consiste em ensinamentos de convivência, ou como agora fica bem dizer, de democracia, de civismo, quer na família quer na sociedade em que a criança se vai sentindo à vontade e vai exercitando a sua vida. Simultaneamente, a criança, ao manusear os seus brinquedos e ao imitar os pais nos trabalhos em casa, vai aprendendo a utilizar os talheres e outras ferramentas e a fazer alguns serviços, começando a ter o seu quarto e os seus pertences arrumados.

E, entretanto, chega o momento de pertencer a uma família mais alargada, mas mais uniforme ao entrar na creche, no ensino pré-escolar e por aí adiante. Nessa altura, já é tarde para lhe ser ensinado aquilo que devia ter aprendido com a mãe desde os primeiros dias de vida. É suposto que essa matéria já está sabida e já não é fácil ser ensinada e aprendida. Tudo tem o seu momento ideal. Daqui, uma primeira dedução: a educação começa em casa e não se pode culpar o ensino das consequências da ausência da acção educativa familiar.

Mas também, no ensino, a qualquer nível, os professores não devem restringir a sua actuação a papaguear o assunto do manual, sem mais comentários. Não faltam oportunidades para explicar a utilidade prática do conhecimento teórico. Recordo com muita satisfação, depois de muitas décadas, os ensinamentos práticos ouvidos dos professores de Físico-Química, Ciências Naturais, Matemática, etc. Que Deus os tenha em repouso pelo bem que me fizeram. Ao falar-se das leis da alavanca, pode ensinar-se o funcionamento da chave de parafusos e a importância do diâmetro do seu cabo; e ao falar-se da energia cinética pode explicar-se o funcionamento do martelo, e a importância do seu peso e do comprimento do cabo, ou o perigo da velocidade excessiva na segurança rodoviária, etc.

Quanto à preparação dos jovens para a vida prática é impressionante a ignorância da realidade (excepto do futebol!) com que hoje se chega à vida adulta, o que tem sido notório em concursos televisivos. Soube, há cerca de 20 anos, que num quartel do Exército foi indagado junto dos recrutas quem sabia de pedreiro, pintor, canalizador, electricista, mecânico, serralheiro, etc. Ninguém sabia. À pergunta do que tinham feito na vida, reposta era sempre a mesma, eram estudantes. O resultado era totalmente diferente 10 anos antes, porque havia escolas técnicas e, nessa idade, já havia muita gente empregada. Outro caso: o filho de um casal conhecido pediu-me para lhe arranjar emprego numa grande tipografia, o que não me foi difícil, mas passados poucos dias desistiu porque tinha sido colocado como ajudante na equipa de uma máquina impressora e o que ele pretendia era «trabalhar» num gabinete com um computador!

O Ensino deve ser olhado por professores e alunos como uma aquisição útil para a vida, uma ferramenta indispensável em qualquer profissão. Sem a convicção da sua utilidade, os alunos poderão não se sentir motivados para uma dedicação séria ao estudo. «O saber não ocupa lugar» diz o ditado e podemos acrescentar que nunca é supérfluo e «até morrer andamos a aprender». Quanto mais é o saber, melhor é a análise global dos assuntos e a sua inserção e interacção no conjunto dos conhecimentos. A tentação muito vulgar de se utilizarem modelos (as chocas) arrasta por vezes para erros muito perigosos devido ao facto de, ao fazer a colagem, não ter sido feita a necessária adequação à alteração dos dados, das circunstâncias. Não há soluções eternamente válidas, elas devem ser permanentemente adequadas às condições ambientais, circunstanciais, sempre em alteração.

O desenvolvimento da memória com a tabuada e da capacidade de método e de raciocínio com a resolução de problemas de matemática são um exemplo prático para esclarecer sobre a utilidade do ensino para a vida desde as acções mais simples às mais complexas. É vulgar ver pessoas a emitirem opinião sobre um assunto que não conhecem minimamente sem terem arrolado a analisado os dados, sem terem relacionado estes em função do objectivo pretendido, sem o terem equacionado por forma a visualizarem cada uma das vias possíveis para chegar ao fim, sem as terem comparado em cada um dos seus vários aspectos a fim de poderem escolher a melhor, a qual será a solução mais adequada, económica, eficaz e rápida. Viver é fazer escolhas e estas obrigam a um método de preparação que não deve restringir-se ao conhecimento dos preparadores bem preparados, mas ser divulgado à generalidade das pessoas, para lhes tornar as vidas mais eficientes e reduzir os desaires.

Por tudo isto, além de bons programas que consigam dar realce tanto à parte científica como às técnicas que permitam a sua utilidade prática, são necessários professores que, em cada momento, não se esqueçam de que estão a formar pessoas, como uma tela em branco a transformar numa obra de arte, uma porção de argila a tornar numa escultura. Não podem refugiar-se na desculpa de que os alunos vinham mal educados de casa ou mal preparados do ano anterior. Há que fazer um esforço para suprir essas deficiências e conseguir a elaboração da obra de arte final, em que gostem de se rever.

Mas, para o ensino funcionar com professores que actuem como artistas, é preciso que estes sejam pessoas bem preparadas, dispondo da educação que possam transmitir através do exemplo e da palavra, sabedores da matéria que ensinam, e com uma noção alargada da utilidade prática do saber que transmitem. Um professor, perante os seus alunos, não pode estar preocupado com qualquer problema pessoal que, nesse momento, deve estar fechado à chave numa gaveta do seu cérebro. A formação dum qualquer bom profissional leva-o a colocar de lado a sua vida privada no momento em que deve concentrar-se na actividade do seu mister, principalmente quando se trata de comunicar com pessoas, como é o caso dos professores.

Não deve contribuir-se para que a criança interprete liberdade como libertinagem. A criança deve aprender a ser um cidadão digno e competente, procurando a excelência. Não pode recusar-se a estudar um ou outro assunto com o pretexto de que isso não interessa para a carreira que quer seguir. Por exemplo, um médico deve grande parte da sua formação a assuntos diferentes da ciência médica em sentido restrito: tem de saber bem português para interpretar os tratados de medicina e para se expressar de forma clara nos trabalhos que escreve, tem de saber línguas para pesquisar em publicações estrangeiras e comunicar com colegas de outros países, tem de saber matemática, física e química para perceber e exprimir-se sobre assuntos da especialidade, etc. Há, pois, uma base alargada que é indispensável em qualquer profissão, porque um bom profissional não pode comparar-se a um robô, tem de perceber e raciocinar sobre o que está a fazer e ter capacidade de evoluir. Cabe aos pais e aos professores esclarecerem os alunos sobre a necessidade da cultura geral e estimulá-los na sua obtenção.

Tendo sempre presente a finalidade do ensino como ferramenta do desenvolvimento, não pode ser manipulado para caprichos de «intelectuais» para experiências abstrusas, autênticas masturbações idílicas, onanismos virtuais, como é o caso da TLEBS (Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário) que tanto espaço tem ocupado na Comunicação Social, tal é a insensatez em que assenta. E a pior utilização abusiva dos alunos veio há dias nos noticiários e refere um a crianças de pouco mais de 10 anos acerca da vida sexual dos pais. O ensino, dada a importância de que se reveste na vida dos povos modernos, deve ser respeitado pelas famílias dos estudantes, por estes e, fundamentalmente pelos professores e outros responsáveis pelo sistema educacional. Olhando para as notícias mais recentes conclui-se que o Ministério da Educação está a precisar de uma vassoura mecânica, daquelas que não descriminam pela cor dos olhos, nem por amizade, nem por confiança política, nem por pressões dos lobis editores. Em seguida, a ministra, se não for levada pela vassoura, escolherá pessoas inteligentes, competentes, com espírito de serviço público competentes, que se orientem pelos interesses nacionais e objectivos do ensino e não segundo s suas ambições pessoais, dos amigos ou dos partidos. Portugal precisa de saneamento, desde o básico ao superior.

Não posso encerrar estas reflexões sem referir as infra-estruturas físicas – a escola. Esta deve ser espaçosa, limpa, arrumada, para tornar possível o ensino e para criar hábitos positivos nos alunos. Estes devem poder estudar, conviver e distrair-se com alegria, comodidade e segurança. A prática de desportos tem o mérito de enfatizar o conceito da conveniência do trabalho de equipa. Não é admissível que os alunos ou os professores sejam vítimas de violências ou agressões, venham de onde vierem. A educação e o ensino exigem que na sociedade em geral e nas escolas, em particular, haja o culto do respeito por cada um e a observância de princípios e valores universalmente defensáveis. Tudo evolui, mas há valores que são perenes, convindo diferenciar o que é transitório daquilo que é permanente numa sociedade civilizada e democrática.

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