sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Militares ou escravos? 050815

(Publicada no Diário de Notícias 15 de Agosto de 2005)

Nos jornais de hoje (11 de Agosto) vem em destaque que «Governo retira regalias a militares». Parece que os militares usufruíam de regalias não justificadas à semelhança dos políticos. Pretende-se colocá-los em condições semelhantes à função pública. Mas tal semelhança seria falsa, pois os militares não são funcionários públicos vulgares, tendo um estatuto de disponibilidade permanente, para qualquer missão quanto a risco ou a local geográfico. Por exemplo, em 10 de Agosto de 1959, mais de duzentos militares foram mobilizados para em 12 (dois dias depois) embarcarem para a Guiné, onde estiveram mais de dois anos, correndo riscos diversos, longe das famílias, sem direito a qualquer tipo de licença. Um deles deixou a mulher grávida e só veio a conhecer a filha, quase com dois anos, no momento do desembarque.

Serviço de escala de 24 horas seguido da formatura para a instrução do dia seguinte; instrução nocturna; exercícios de fogos reais e outras situações de risco; marcha para outra unidade ou centro de instrução sem aviso prévio, etc; restrições aos direitos de cidadania. Tudo isto era, de certo modo, compensado pelas agora denominadas «regalias».

É previsível que agora, com uma geração de militares mais esclarecida e aberta ao ambiente circundante, não queiram ser tidos como escravos gratuitos e, por isso, não assinem qualquer contrato sem primeiro verem a sua adequação à legislação da função pública, pedindo parecer aos respectivos sindicatos, e sem analisarem as compensações concretas e claramente definidas dos esforços que não se integrem na função pública geral. Depois de entrarem em funções, terem como referência mais a legislação da função pública do que a militar e recusarem prolongamentos do horário, serviço extraordinário, missões de risco, mudanças de local de trabalho, sem previamente negociarem as adequadas compensações. Se o Governo quer considerá-los semelhantes aos funcionários públicos, não deve exigir-lhes riscos que estes não correm: serviço na carreira de tiro, exercícios de fogos reais, actividade física com perigo de acidente, trabalho nocturno, etc. Para cada serviço deste género deve haver uma compensação adequada. Por outro lado, há que reivindicar «regalias» semelhantes às dos juizes, professores, incluindo direito à greve, e, porque não, semelhantes às dos deputados, gestores e directores de institutos e empresas públicos.

Os militares responderão a estas palavras, dizendo que, dessa forma, as unidades ficarão inoperacionais e os comandantes não poderão cumprir a missão que receberam. Sem dúvida. Devem, por isso, evitar chegar a essa situação, esclarecendo, desde já, os políticos de que os militares não podem ser reduzidos a funcionários públicos e não podem ser considerados escravos gratuitos. A disponibilidade permanente para qualquer missão em defesa dos altos ideais patrióticos tem forçosamente de ser compensada. Não se querem «regalias»; quer-se a justa compreensão do seu sacrifício e condições compensatórias dignificantes.

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