(Publicada no Público em 19 de Janeiro de 2005)
O caro leitor recorda-se da última palavra dos Lusíadas? Aquela que encerra a estrofe 156 do canto décimo? Não se desgoste se não se lembra, porque está entre numerosa companhia. Mas concordará que, sendo Luís de Camões um profundo conhecedor das mitologias grega e romana, e da história de Portugal, um bom «analista» político e «sociólogo» competente, como o demonstram os dez cantos da sua principal obra, essa palavra, não deve ter aparecido por acaso, mas deve ser muito significativa, para deixar o leitor a matutar na mensagem nela contida. Recordei esse conceito quando li uma entrevista do pensador José Gil num conceituado diário, na qual aponta como principal causa do atraso do país o facto de vivermos abafados pelo mecanismo ou sistema da inveja («enveja», como consta no fim dos Lusíadas).
Também aquela entrevista me recordou o «velho do Restelo» que se exprime nas estrofes 94 a 104 do canto quarto, daquele poema épico. São as ideias desse velho que hoje melhor traduzem a situação do país, com um ambiente hostil à iniciativa, medo e ausência de ideias de futuro, noção paralisante de prudência, obsessão do culto da imagem e do bom senso, medo das mudanças e do «parece-mal», crítica aos mais válidos, etc.
E este retrato não se aplica apenas aos idosos ou aos jovens, aos pobres ou aos ricos, pois ajusta-se em plenitude aos mais altos dignitários da Nação. Recordo-me que, numa festa nacional recente, foi condecorado um grupo de música moderna. É certo que a cultura é essencial para a vida de um povo. Mas para vivermos com conforto e bem-estar, precisamos de uma balança comercial equilibrada, mas não se ouve elogiar os empresários que mais exportam. Para o Estado funcionar são necessários impostos, mas não se ouve elogiar os empresários que mais impostos pagam. Para as famílias terem poder de compra, é necessário haver emprego, mas não se ouve elogiar os empresários que mais postos de trabalho gerem.
Portugal precisa de enfatizar aqueles que devem constituir modelo para os restantes, nomeadamente os mais novos, pela iniciativa, pela capacidade de organizar, de inovar, de planear o futuro, com preocupações estratégicas de longo prazo. Em vez de ter inveja pelos que evidenciam mais valor, deve ver-se neles um objectivo a alcançar e a ultrapassar. Há que premiar o mérito que contribua para o aumento do bem-estar do povo, por forma a aproximar o País dos melhores da Europa a que pertencemos e da qual já fomos os maiores inovadores.
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário