(Publicada na Grande Reportagem, de 05 de Junho de 2004)
Gostei de ler a crónica de José Manuel Barata-Feyo, «A salvação está na multa» (GR 175), de 15 de Maio. São necessárias muitas opiniões sobre o funcionamento do nosso Estado (ou do estado em que isto está!) a fim de os responsáveis deixarem de falar apenas teoricamente na necessidade de aumentar a produtividade e a inovação e de reduzir a burocracia, em vez de aprofundarem a análise dos factores que estão na origem de tudo isso.
O problema é, sem dúvida, muito complexo. Mas podemos apontar para vários aspectos. O primeiro é a falta de literacia, com as incompetências, traumas e desconfianças que lhe são inerentes. Outro é o conceito de que todo o cidadão é criminoso, infractor e desonesto. É esta a ideia do polícia (principalmente o mais idoso) que abordamos para o mais simples problema, como o de saber por onde se vai para um local ali próximo mas que não conhecemos.
Quanto ao agravamento das multas para as infracções rodoviárias, já há mais de 20 anos, professores de Direito da Universidade de Coimbra desaconselharam o seu aumento e sugeriram a intensificação do policiamento para que a aplicação das multas ainda em vigor fosse mais eficiente, tornando menor a probabilidade de os infractores ficarem impunes. Não adianta aumentar as multas se a maior parte das infracções não for detectada, como o caso de uma senhora que confessou que conduzia há mais de 30 anos sem possuir carta. A continuar assim, o aumento das multas só serve para entrar mais numerário nos cofres do Estado e não para reduzir a sinistralidade.
A burocracia no registo de automóveis – hoje uma vulgar ferramenta de trabalho ou de lazer – deve ser um resquício da legislação do início do antigo regime em que o carro, era ainda uma coisa rara que podia ser utilizada para movimentar «revolucionários» ou «contrabando», durante a Guerra Civil de Espanha, etc. Essa desconfiança, levando a excesso de burocracia, conheci-a, por exemplo, numa instituição, por alturas de 1974, em que, para fazer uma fotocópia era preciso preencher uma requisição que tinha de ser assinada pelo chefe, e a fotocópia só seria recebida no fim do dia. Assim se pretendia evitar a elaboração e difusão de «panfletos subversivos». Não sei se hoje se mantêm esses «cuidados», mas julgo que não, porque as fotocópias se generalizaram. Também os automóveis se generalizaram, mas mantém-se a burocracia de antanho!!!
É certo que a abolição da burocracia, uma tradição de longa data, faria desaparecer dos serviços públicos e autárquicos muita gente desnecessária. Porém, seria útil passar a adoptar a filosofia de que todos os portugueses são sérios, deixá-los actuar com mais liberdade e iniciativa, e simultaneamente exercer uma fiscalização ligeira, pontual, mas eficiente (sem corrupção) e punir severamente aqueles que abusassem, com prejuízo para a comunidade. Dessa forma sofreria apenas o infractor e não a generalidade dos cidadãos hoje sujeitos a burocracia paralisadora. Todos os apelos, como o que consta do referido editorial, são úteis com vista a chamar a atenção para o combate a esta doença endémica, ou crónica...
A Decisão do TEDH (398)
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