quinta-feira, 13 de agosto de 2009

E a democracia ? . 030526

E a democracia ?
(Publicada no «Público», 26 de Maio de 2003)

Em democracia, os cidadãos escolhem livremente os seus representantes, por meio do voto secreto. Depois, confiam nos políticos eleitos, ouvem os seus discursos com promessas e temas mais ou menos significativos, e seguem as suas orientações. Teoricamente, assim devia ser, mas a realidade é diferente e traz surpresas e dúvidas quanto ao âmago dos conceitos.

Há dias, dizia o Dr. Francisco Assis, apoiado pelas estruturas do PS, que a Câmara de Felgueiras não está com autoridade legal e moral para continuar em funções, devendo demitir-se e dar a palavra ao povo que se manifestaria em novas eleições. Parece-me ser uma leitura da democracia, legal e inatacável, dar a voz ao povo, que segundo a canção, é quem mais ordena.

Mas, para espanto meu, os sobreviventes da autarquia dizem que estão em condições de administrar a autarquia e que não se demitem, sem que seja essa a vontade do povo. Ambos falam da vontade do povo, parecendo haver dois conceitos de democracia. Porém, se os ditos «autarcas» não querem dar lugar a eleições antecipadas, precedidas das suas demissões, como é que o povo manifesta a sua vontade? Manifestações de rua não são a expressão democrática, constitucional, da vontade do povo. Certamente os actuais detentores da Câmara querem manter-se no Poder até ao fim do mandato, que segundo a sua opinião é o momento em que o povo se pode pronunciar. O apego ao poder, a todo o custo, não parece ser uma característica da democracia, e faz lembrar a ditadura repugnante de Saddam Hussein.

Destas duas leituras de democracia qual será a que irá prevalecer? Será que aqueles «autarcas» autocráticos se propõem sinceramente continuar nas cadeiras, apesar de dos indícios e suspeitas e da fuga à justiça da ex-presidente?

Afinal nós, os simples eleitores, que somos aliciados com promessas fantasiosas, a votar, qual é o conceito que devemos ter dos políticos quando, em casos que parecem tão lineares, fazem leituras tão opostas dos procedimentos democráticos? Como entender que em democracia se faça uso de violência física no puro estilo dos caceteiros daquela região que fizeram a vida dura aos invasores franceses a soldo de Napoleão? Lembrem-se de que se esse método de «diálogo» foi patriótico frente aos invasores franceses, agora não parece minimamente aceitável.

Meu Deus, será que as pessoas perdem os hábitos de civilização, deixam de pensar e se movem por sentimentos ingénuos e primários acabando por querer resolver tudo à cacetada? Será isto efeito de vivermos à velocidade da luz e de não restar tempo e serenidade para reflectir nos problemas reais da vida em sociedade? Impõe-se que se pense que é indispensável que o cidadão seja claramente informado das regras de convivência comunitária para daí resultar um aumento do nível da qualidade das governações, desde o topo até às autarquias mais em contacto com as populações. Sem esse esclarecimento não será possível evitar estas cenas degradantes.

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