(Publicada no Diário de Notícias de 23 de Junho de 2004)
A Democracia é um regime político que traduz a influência do povo na governação pública. Inicialmente, na Grécia antiga, o povo reunia-se na praça da localidade para tomar as decisões sobre os assuntos da comunidade. Com o aumento da população, deixou de ser viável a participação directa de todos nas decisões da coisa pública. O povo deixou de ter, assim, o exercício real do poder. Foram criadas formas variadas em intensidade, efectividade e capacidade de o povo exercer a sua influência. Deixou de haver Democracia directa para haver Democracia representativa.
Enquanto, num Estado totalitário, o indivíduo não passa de uma peça ou um servidor da máquina estatal, num Estado democrático, o indivíduo é suposto ser um elemento chave, passando a Democracia a ser consubstanciada pela representação, em que o povo, mediante o sufrágio, designa os seus representantes que, em seu nome, assumem o exercício efectivo da soberania nacional. A legitimidade dos poderes assim constituídos fundamenta-se no consentimento dos governados reflectido pela opinião pública e pela vontade popular.
Para o Estado ser governado da melhor maneira, o povo escolhia os seus melhores elementos para o representar. Mas surgiram os partidos políticos e o povo deixou de escolher livremente os seus representantes e passou a ser limitado a escolher entre as equipas que cada partido lhes apresentava. Esta solução reduziu o entusiasmo e o sentido de responsabilidade da escolha que, limitando-se a depositar confiança num partido, não dá garantias quanto ao sentido de Estado e à competência dos indivíduos que irão participar na gestão da coisa pública.
E, com o andar dos tempos, o cidadão foi-se desiludindo com os seus «representantes». Passou a ser vulgar ouvir dizer que «são todos a mesma coisa». E isto é baseado em notícias que vêm a lume, de quando em vez: deputados que recebem por viagens que não fizeram; indivíduos dos órgãos de soberania e das Autarquias sobre quem recaem suspeitas de comportamento menos digno que procuram manter-se agarrados ao poder, gestão danosa dos negócios públicos, gastos exorbitantes sem benefício real para a comunidade, corrupção, misturas com o futebol e as empresas privadas, maus exemplos no incumprimento das leis (por exemplo, código das estradas), etc. etc.
Tudo isto cria um descrédito sobre a classe política, difícil de colmatar. E o resultado é a abstenção. Para quê escolher, se são todos iguais? Para repor esse crédito perdido, terão de ser os políticos a reverem o seu código de conduta, colocando os interesses o Estado acima das ambições individuais e partidárias. Ninguém espera uma redução milagrosa da abstenção se os políticos não demonstrarem ser merecedores.
Nas campanha para as recentes eleições para o PE, a inabilidade dos políticos foi demasiado visível. Não houve evidência do sentido de Estado, não houve preocupação em esclarecer qual o interesse da EU e, em especial, do PE, para Portugal, não houve o objectivo de demonstrar como os eleitos iriam defender no PE os interesses portugueses. Houve, isso sim, e com grande exagero, a intenção de dizer mal dos rivais, chegando a referir deficiências físicas de candidatos de muito valor, a intenção de «mostrar o cartão amarelo» o governo, etc. Para quê? Está bem de ver que isto se traduz em: não votem neles porque não prestam, votem em nós. A para quê? Para nós termos as regalias de eurodeputados e não eles. E de tudo isto, acreditando em todos, a maioria do povo concluiu que nenhum merece o voto!!!
Este tema devia merecer profunda reflexão pelos políticos de todos os quadrantes a fim de evitarem uma notória exclusão pelo povo. Este já reflectiu e dois terços tomaram uma decisão bem significativa nas últimas eleições.
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