(Enviada aos jornais em 30 de Junho de 2004)
Sonhei que, quando passeava na Serra de Sintra, onde se concentram fortes radiações cósmicas, me apareceu um extra-terrestre e me disse: «Os terráqueos não querem ser felizes, não querem desenvolver as suas qualidades intrínsecas, a sua personalidade, vivem obcecados por ambições materiais perecíveis e agarrados à ideia de que devem sofrer hoje para virem eventualmente a ser felizes amanhã e, entretanto, evitam pensar e actuar de acordo com as suas próprias convicções. Acomodam-se aos conselhos dos outros, a regras estabelecidas artificialmente, submetem-se às sugestões da publicidade, às promessas dos políticos... Porém, esquecem-se de que cada um é responsável pelas suas decisões, pelos seus actos e não deixa de o ser se actuar sob persuasão ou coacção de outrem; deve passar a agir conscientemente, em conformidade com as suas próprias ideias. E deve procurar ser feliz hoje, porque é hoje que vive; sem, no entanto, comprometer o «hoje» que virá no dia seguinte». E disse muito mais, tudo inserido na mesma directriz filosófica.
Ao acordar, fui bombardeado pelas notícias e comentários sobre a «fuga» do primeiro-ministro e recordei aquela expressão que levava a não acreditar inocentemente nas promessas dos políticos. Com efeito, antes das eleições, eles não se poupam a deslocar-se às aldeias mais recônditas e a fazer inúmeras promessas. Após o escrutínio, esquecem as promessas feitas e os problemas dos eleitores. E, apesar de prometerem lutar pelo bem público durante toda a legislatura, não hesitam em abandonar o eleitorado e baldarem-se para cadeiras mais confortáveis, se alguém lhes acena com uma cenoura apetitosa. E é curioso ver como nos querem convencer que o fazem em benefício do país!!! No entanto, nas discussões que se seguem, este benefício não merece a mínima referência, discutindo-se apenas os interesses de pessoas e de partidos. Como estamos em época do EURO 2004, poderemos dizer que para os políticos, o país representa o mesmo que o relvado para os futebolistas. Tudo se passa, pisando-o sem dó nem piedade.
E, perante estas desconsiderações, o que é que os eleitores devem pensar? Nas últimas eleições, mostraram que se decidem – em conformidade com as palavras do extraterrestre e com o exemplo do primeiro-ministro - por ignorar a publicidade e as promessas comicieiras, considerá-los todos iguais e agir pela sua cabeça, abstendo-se nas urnas. Mas fica-nos a dúvida de qual será o efeito, para a Democracia, desta falta de confiança naqueles que era suposto representarem o povo?
DELITO há dez anos
Há 7 horas
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