(Enviada aos jornais em 29 de Agosto de 2004)
Um tema de conversa que tem espantado muita gente é o da notícia de que os governantes não gostaram dos automóveis deixados pelos seu antecessores, embora quase novos e com pouco uso, e exigiram viaturas novas, de alta gama e com os mais recentes acessórios. O espanto e a surpresa dos papalvos apenas demonstra a sua ingenuidade e ignorância acerca das motivações e dos valores que regem o comportamento dos políticos que temos. É próprio dos políticos ter ambição, muita ambição, que tem por objectivo chegar a Presidente da República, a Presidente da Comissão Europeia ou a Secretário-geral da ONU. Há dias, F Moita Flores traduzia essa ambição como sofreguidão da teta, fome de poder sem critério, ambição de emprego por impossibilidade de outra carreira. Estas «ideologias» patrióticas não são de agora; vale a pena reler os escritos do Eça, do Camilo e de outros observadores de outras épocas.
As referidas notícias fazem lembrar as palavras que Camões atribuiu a Jacob no conhecido soneto, «se não fora para tão longo amor tão curta a vida». Os governantes da actual equipa, perante um horizonte tão próximo, diriam «para tão grande ambição tão curto o mandato». Perante esta sensação de urgência, não querem descuidar-se nem adiar a fruição das máximas regalias, comodidades, mordomias, etc. Poderão não dispor de muito tempo e, por isso, não podem adiar.
E, em contrapartida, apetece perguntar qual a atenção dada aos grandes problemas nacionais: o ensino profissional imprescindível para o aumento da produtividade, da exportação e da competitividade internacional; o apoio aos idosos detentores de uma experiência e um saber que não devem ser desprezados; a saúde e as listas de espera; o combate às fugas fiscais por parte de profissionais liberais e trabalhadores por conta própria; a formação cívica da juventude e a sua ocupação dos tempos livres; as medidas tendentes a reduzir a poluição e os efeitos das cheias e dos fogos florestais. A resposta a estes problemas talvez não esteja a ser a mais desejada por falta de disponibilidade de tempo dos governantes! Porém, não falta disponibilidade para cinco ministérios, nada menos, estarem preocupados no acompanhamento da visita do chamado «barco do aborto», como se ele constituísse a mais grave ameaça à soberania nacional. Dizem que é por infringir o ordenamento jurídico nacional. Então o conduzir sem carta e sem seguro também não infringe esse ordenamento, e não será mais mortífero? E que dizer do tráfico de droga? Onde está o «ordenamento» de prioridades dos interesses nacionais?
Apesar dos muitos assessores e dos muitos «boys» contratados diariamente, vemos o país (ou apenas a opinião pública?) preocupado com coisas de importância marginal como se fossem o cerne da sobrevivência nacional. E, em resultado de os principais assuntos nacionais serem postergados para segundo plano, os cintos continuam a apertar-se, quando o português vulgar vai às compras para alimentar a família, ou quando tem que satisfazer compromissos com dívidas assumidas.
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