quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Vergonha de governante

(Publicada no Público em 26 de Dezembro de 2004)

Vão longe os tempos da minha juventude em que não passava pela cabeça do mais ousado referir-se a um governante de forma irreverente ou pouco cortês, pois eram considerados pessoas de saber, de bom senso e de educação superiores à média do cidadão comum.

As gerações passam e as características das sociedades vão-se alterando. Mas há alterações que são inconcebíveis para a generalidade das pessoas e que se traduzem no crescente descrédito dos políticos e no enorme abstencionismo nos actos eleitorais. É inacreditável que o secretário de Estado, com poder de coordenação sobre os Bombeiros e a Protecção Civil, tenha dito publicamente de forma clara e incontroversa que tem vergonha desses serviços. É incrível! Mesmo que esses serviços não funcionassem a cem por cento, são pilares credíveis para a maioria dos cidadãos. São os agentes a quem se apela numa emergência, com a certeza de ser atendido, a qualquer hora do dia ou da noite. Infelizmente, não haverá muitas instituições em que o povo deposite tanta confiança como nestas. Quererá esse político, com sinais de insanidade e com ausência de bom senso e de maturidade, retirar esse arrimo à população trabalhadora? E, como mais alto responsável, pela eficiência destes serviços, que medidas concretas e claras tomou para os tornar mais eficientes na prestação do apoio às populações?

Felizmente, o ministro não demorou nem hesitou em colocar os pontos nos ii e a procurar serenar os espíritos dos cidadãos que, eventualmente, ainda confiassem na palavra de um secretário de Estado, pudessem ter ficado sobressaltados.

Porém, errar é humano e, por isso, uma atitude inconsciente de um jovem sem experiência da vida poderá ser desculpável. Mas os políticos portugueses têm-nos brindado com outras imaturidades semelhantes. Recorde-se que das mesmas instalações governamentais saiu, há alguns meses atrás, a ideia peregrina de que havia que aumentar o rigor na renovação das cartas de condução dos idosos, por estes serem causadores de infracções por condução em contra-mão. Ora, os factos têm demonstrado à saciedade que essas infracções rodoviárias e todas as outras têm sido maioritariamente subscritas por jovens sob o efeito de álcool, de droga ou da perigosa apetência para comportamentos de risco inaceitável.

Também são mais ou menos do mesmo grupo etário as altas entidades que inventaram a cabala involuntária, a central de informação e comunicações, a pressão inconsciente sobre o Presidente da República, a tentação de arremessar pela janela uma cassete de vídeo, etc.

No momento em que chegam notícias de instituições estrangeiras credíveis e imparciais que colocam o nosso país em má posição, quanto à eficiência escolar e quanto à capacidade de desenvolvimento, há razões para termos vergonha não do SNBPC, mas de quem o ataca, e, de uma forma geral, para descrer do bom senso, da eficiência e da competência dos políticos e da sua capacidade para elevar Portugal até ao nível médio europeu. Convém notar que, nestas funções, o bom senso é qualidade mais essencial do que a inteligência.

Temos que pensar, serenamente, com bom senso, por forma a podermos concluir quem tem razões para ter vergonha de quem.

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