(Publicada no Expresso em 19 de Dezembro de 2005, p. 8)
Há poucos anos, um notável «político profissional» disse, segundo os jornais, que em democracia o povo tem direito à indignação. Pareceu-me uma frase pouco correcta porque a indignação, sendo um sentimento como o amor ou o ódio, a alegria ou a tristeza, não carece de outorga, não deve ser contemplada como um direito. Talvez fosse mais ajustado dizer que em democracia o povo tem direito a expressar a indignação. Esta expressão pode ir das simples críticas e comentários, às manifestações de rua e às greves. Porém, as críticas válidas não devem limitar-se a evidenciar discordância mas devem conter uma sugestão ou uma pista de reflexão com vista a melhorar aquilo que não parece perfeito.
Sem dúvida que a indignação tem como objecto aqueles que ocupam cargos públicos com missão de zelar pelos legítimos interesses dos cidadãos, na saúde, na habitação, na segurança, no ensino, etc. Os titulares de cargos governativos e autárquicos e os que desempenham serviços públicos não podem considerar-se acima das críticas e imunes ao «julgamento» dos eleitores, dos contribuintes.
Perante isto, é com espanto que se vê o notável atrás referido vir agora apelar a que se não critiquem os políticos. Mas porquê esta viragem? Porque se defende tal imunidade? De facto, se os políticos em vez de se perderem em questiúnculas inter-partidárias, se preocupassem a fundo com a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, não seriam alvo de crítica. Por outro lado, os seus privilégios e imunidades já são chocantes. Por exemplo, a própria justiça usa para os políticos uma medida diferente da aplicada à generalidade dos cidadãos. Como exemplo, pode referir-se o caso de um político, em pleno dia de eleições autárquicas, à porta da assembleia de voto, ter apelado ao voto no candidato seu filho, por duas vezes, com intervalo de quatro anos, e apesar de se tratar de dois crimes puníveis com prisão, nada consta acerca de qualquer eventual condenação que tenha sido aplicada.
É imperioso que as pessoas assumam que, em democracia, o povo tem direito a criticar tudo aquilo que considere mal e passível de ser melhorado, inclusive os políticos, principalmente os que exercem cargos do Poder legislativo, executivo ou judicial, porque esses prestaram juramento quanto à forma de exercer as funções que lhes são confiadas. Como em democracia o povo é soberano, não se lhe pode retirar o direito de manifestar o seu descontentamento e cabe aos órgãos do Poder usar de seriedade e transparência e prestarem esclarecimentos de todos os seus actos, no mínimo, com a intenção pedagógica tendente a suscitar a participação consciente e o apoio implícito e de livre vontade de todos os cidadãos.
Grande Angular - Novembro!
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