sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Tráfico de influências 050515

(Enviada aos jornais em 15 de Maio de 2005

Como entender o que se passa cá no rectângulo? Parece não haver coerência entre a tendência para despenalizar tudo quanto dê sobrecarga aos tribunais (dívidas por pagar, cheques sem provisão, aborto, talvez a droga, etc.) e, por outro lado a ênfase dada ao chamado «tráfico de influência». Até parece que este «tráfico» é coisa recente e rara, num país em que a «cunha» é uma tradição demasiado arreigada em todas as classes sociais e profissionais. Ou será que não estou a ver bem a diferença entre o «tráfico de influência» e a «cunha»?

Os jornais falaram na influência do MNE e do ex-MNE, em direcção aos tribunais do Dubai a favor de Ivo Ferreira que, naquele país, fumou haxixe. Falaram também do pedido de influência que o PM fez a Bush e a Putin para que Guterres seja escolhido para Alto-Comissário da ONU. Também tem sido a «influência» (amizade e família) que preside às nomeações de ministros, secretários de Estado, elementos das listas eleitorais e assessores (sem concurso), na generalidade dos governos.

A oferta de férias numa ilha privada do Brasil, por empresário a um antigo PM, então em exercício, de quem era amigo antigo, mas que só lhe fez tal oferta após o ver em tão alto cargo, é normalmente interpretado como um investimento, um seguro, para eventual futura necessidade. O mesmo se passou com um cruzeiro de iate oferecido ao Presidente da Comissão Europeia. Costuma dizer-se que não há almoços gratuitos.

É certo que existe uma gradação entre vários casos de «tráfico de influência», à semelhança do que se passa com a «corrupção», quanto a efeito imediato ou retardado na recompensa, valor e natureza desta, eventual prejuízo para terceiros, incluindo o Estado, etc. Mas não parece fácil dizer até que ponto não tem importância, por ser tradição, e a partir do qual passa a ser um acto hediondo com cheiro a crime. Trata-se de questões sensíveis, sem critérios mensuráveis, situando-se num quadro de princípios e valores éticos e morais e de bom senso dependente do nível de civismo nacional. Surge a dúvida: como melhorar o civismo de que depende este aspecto e muitos outros de que o país padece? Quem tem a solução para isso e a coragem de a pôr em prática? Quem coloca os objectivos e os interesses nacionais na prioridade correcta para o desenvolvimento de Portugal, com felicidade, comodidade e segurança dos cidadãos? Os argumentos que temos ouvido aos políticos (veja-se Isaltino e Valentim) levam a deduzir que os interesses nacionais são ignorados, os dos partidos nem sempre são respeitados, os das populações são referidos apenas como fumaça demagógica e apenas restam os seus interesses pessoais e imediatos.

Será de esperar que as fraudes sejam combatidas com firmeza e se dê a cada um o que é legal e a recompensa do seu valor e não se interfira com o poder judicial nosso ou de outros países onde a lei não é letra morta.

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