sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Só fumaça

(Publicada no DN em 5 de Abril de 2005)

Há pouco tempo foi visto e ouvido na televisão o presidente da Associação Nacional de Municípios ameaçar um fiscalista com procedimento judicial por ter afirmado existir corrupção em algumas câmaras e não as ter referido pontualmente. No momento, pareceu uma atitude própria de antigos regimes autoritários absolutos, em que se matava o mensageiro portador de notícias desagradáveis e se amordaçava o miúdo que ousava dizer que «o rei vai nu». Parece que teria sido mais prudente admitir que, como seres humanos, os autarcas podem errar e o que há a fazer é vigiar os comportamentos, investigar todos os indícios e julgar rigorosamente os suspeitos. Essa seria a posição mais correcta de um político sério e aquela que os eleitores gostariam de ouvir.

O fiscalista visado foi mais sensato e não reagiu a tão grotesca provocação e ameaça, e a resposta acabou por vir na comunicação social, acrescentando às notícias anteriores outros pormenores que avivaram a memória dos cidadãos. É certo que ninguém é considerado criminoso antes de a sentença condenatória transitar em julgado, mas a extensa lista de autarcas e ex-autarcas a contas com a justiça, devia ser motivo suficiente para que o presidente da ANM fosse mais cuidadoso nas suas palavras que foram apenas fumaça (recordando Pinheiro de Azevedo) lançada aos olhos dos cidadãos e se limitaram a traduzir o seu desejo de «matar o mensageiro».

É interessante pensar que, apesar de os autarcas se queixarem de ganhar pouco nas suas funções, muitos apresentam vultosos sinais exteriores de riqueza, por vezes em nome de familiares (dito por eles), o que demonstra grande capacidade para gerir de forma rentável as suas parcas poupanças, mas, não obstante essa competência de gestão financeira, muitas câmaras estão afogadas em dívidas até ao pescoço, como diz a imprensa, legando às gerações futuras uma herança indesejável e preocupante. Será que essa capacidade de gestão é fictícia? Ou será que não cuidam dos dinheiros públicos com dedicação semelhante à que dedicam aos dinheiros próprios? Qualquer resposta não parece edificante.

É com reacções como a referida que se acentua a falta de afectividade e de respeito dos eleitores em relação aos políticos, criando a convicção de que estes não parecem ser pessoas a quem se possa comprar um carro usado.

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