Há que pensar nisto. Cada um deve meditar neste grave problema que a todos pode afectar num momento de azar, porque alguém agiu mal ao volante do carro, sendo incapaz de o controlar no espaço a que tinha direito. Cada pessoa ou entidade que tenha possibilidade de contribuir para minimizar este flagelo e que nada faça de positivo nesse sentido é moralmente conivente com os crimes de homicídio involuntário que ocorrem nas estradas. E os números mostram que essas pessoas e entidades não têm tomado medidas eficientes nesse sentido. Em cada época festiva repetem fórmulas que já provaram ser ineficazes. Falta-lhes iniciativa e capacidade de inovação e coragem para abandonarem os métodos que têm seguido, determinarem as causas reais do fenómeno e procurarem as soluções adequadas. Têm sido gastos milhares de contos em bonitos cartazes absolutamente inúteis, que nada esclarecem sobre a forma de reduzir o perigo de andar nas estradas. «A segurança rodoviária somos nós», «conduza com segurança» são exemplos de inutilidade do gasto de dinheiros públicos. Isto não esclarece os condutores incompetentes nem os responsáveis pela má sinalização, e a sua inutilidade acaba por ser comprovada pelos resultados da operação de maior vigilância efectuada na época festiva seguinte. Este assunto não se compadece com «paninhos quentes», não se pode confinar à continuidade do «Sistema», com soluções obsoletas e inúteis. Continuar assim é desrespeitar as famílias que ficaram enlutadas por culpa dos responsáveis pelas estradas e de automobilistas inconscientes e incompetentes. O problema deve ser estudado com realismo e frontalidade por pessoas que vivem o problema rodoviário por dentro, no asfalto, por pessoas não comprometidas com as «campanhas» que mostraram nada resolver, por pessoas corajosas e frontais que não receiem ferir as susceptibilidades dos «sábios instalados no Sistema». É preciso uma terapia de choque, uma solução de rotura, ideias inovadoras.
Como ninguém tem poderes para evitar as más condições atmosféricas, há que actuar sobre três factores determinantes: a estrada, o veículo e o condutor.
As estradas, apesar das grandes melhorias verificadas nos últimos anos, continuam, em muitos casos, a justificar sérias preocupações devido a mau traçado, perfil transversal inadequado, bermas perigosas, má drenagem provocando lençóis de água e areia no piso, buracos e, o que é muito grave, falta de sinalização ou sinalização desajustada, pouco esclarecedora, difícil de ver e de interpretar e, muitas vezes, merecendo pouco crédito, por ser demasiado restritiva e, logo a seguir, inexistente embora necessária.
A sinalização deve merecer confiança
Perdendo-se a confiança na sinalização, a partir daí, toda a sinalização que aparecer é inútil. O automobilista que viu um sinal de velocidade máxima 50 num local em que podia circular a 90, não obedece, mais à frente, a um sinal igual mas verdadeiro, e despista-se, por excesso de velocidade. Moralmente a culpa é de quem coloca sinais sem critério. Nas ruas estreitas das localidades pode circular-se a 50 Km/h. Não se compreende que em estradas que não representam perigos, nem de longe, semelhantes aos das localidades, apareçam sinais de 40 !! Em muitos casos, a sinalização só é compreendida pelos utentes frequentes (mas esses não necessitam dela) e é insuficiente e confusa para o utente eventual que, por isso, tem de abrandar a marcha, procurar interpretar e, muitas vezes, parar para indagar por onde é o caminho que pretende seguir. Estes abrandamentos e paragens prejudicam a segurança própria e a dos outros.
Um sinal colocado sem critério, não constituindo ajuda para o utente da estrada, não merecendo confiança, não tendo credibilidade, não só é inútil como principalmente é nocivo. Só poderá ter utilidade para a «caça à multa». A propósito de um acidente no Nordeste numa estrada com gelo, mostrado na televisão, um responsável pelo trânsito dizia-me que no local está um sinal a alertar para o perigo de gelo. Realmente via-se o sinal na TV. Perguntei-lhe há quanto tempo lá está o sinal, ao que me respondeu que pelo menos há um ano. Logo, é um sinal sem qualquer efeito ou credibilidade: mentiu todo o ano excepto durante poucos dias do Inverno. O automobilista não pode adivinhar qual o momento em que ele é verdadeiro. Um sinal desses deve ser colocado apenas e sempre que a sua mensagem for real e necessária para a segurança rodoviária. Isto passa-se com sinais de variados tipos por todo o país.
O veículo não é culpável
Quanto aos veículos, dizia-se há mais de uma década que o morticínio nas estradas se devia ao parque automóvel ser muito velho. Tal argumento, do agrado dos importadores e vendedores de automóveis, ainda agora é defendido como se vê no editorial da Revista do ACP de Janeiro de 2000. Porém, hoje, basta parar ao lado de qualquer rua ou estrada para ver que o parque já está bastante renovado predominando os carros mais potentes e mais seguros, acrescendo que hoje há as inspecções periódicas obrigatórias. Por outro lado, não está provado que a maioria dos acidentes seja provocada por carros com mais de 12 anos.
Também, o referido editorial considera factor de acidentes existir uma grande proporção de carros citadinos com cilindrada inferior a 1,3 litros. Porém todos estes carros dispõem de potência suficiente para circular nas estradas à máxima velocidade permitida sem «empatarem» os mais potentes cumpridores do código. Também não está provado que a maioria dos acidentes seja por eles provocada. Talvez os grandes acidentes ocorram com as potentes bombas conduzidas por automobilistas que não têm perícia, competência, destreza, capacidade, para as controlar nos limites da via, sem despistes nem colisões.
Apesar da obrigatoriedade das inspecções periódicas, continuam a circular carros, por vezes muito novos, com a matrícula ilegível, sem luzes de «stop», sem luzes indicadoras de mudança de direcção, com faróis assimétricos ou com falta de um, etc. Um carro com apenas um farol é tido, de noite, como uma mota por aquele que circula em sentido contrário, que, por isso, não lhe deixa o espaço conveniente e ocorre a colisão frontal. Tais deficiências devem ser imputadas ao automobilista por não ter tido o cuidado de verificar as condições de funcionamento antes de rodar a chave de ignição. E devem merecer mais atenção por parte dos agentes fiscalizadores e dos legisladores, pois quer em operações «stop», quer na observação de carros estacionados nas ruas, muitas dessas deficiências são facilmente detectáveis dando origem a «convite» para a reparação a comprovar com inspecção especial feita em IPO.
Em conclusão, o carro não é imputável.
O risco não compensa
Sobre o condutor, temos de concordar, recaem as maiores responsabilidades, porque, quanto à precaridade das estradas deve adaptar a velocidade do veículo e o seu estilo de condução; quanto ao carro deve verificar o seu estado de funcionamento e proceder à manutenção e às reparações convenientes. Num acidente consistindo em despiste ou capotamento ou colisão com um obstáculo fixo, dificilmente se pode absolver o motorista da total responsabilidade pelo ocorrido, devido a imperícia, desconcentração, incompetência, incapacidade, aselhice, falta de civismo, etc. Os choques frontais poderão dever-se a distracção na condução, o que é imperdoável, por manobra errada (aselhice, incompetência), farol avariado, ultrapassagem mal calculada, decidida em momento errado, mal executada, mal finalizada. Nas ultrapassagens, além da imperícia e da ausência do sentido das responsabilidades e de civismo, pode contribuir a falta de visão estereoscópica (de que muita gente é afectada) a qual impossibilita a avaliação da distância até ao fim da recta, a distância a que vem o carro em sentido contrário e a velocidade com que este se aproxima.
Além de deficiências permanentes deste e doutros tipos, há a incapacidade temporária provocada por abuso do álcool, medicamentos e drogas que dificultam a percepção, aumentam o tempo de reacção e prejudicam a coordenação de movimentos. Também o uso do telemóvel e o fumar prejudicam a concentração na condução e a liberdade de movimentos dos braços, impedindo uma reacção rápida que venha a tornar-se necessária. O sentido das responsabilidades aconselha a que as pessoas não conduzam em tais condições. O risco não compensa.
É confrangedor ver na estrada muitos condutores que não sabem fazer uma ultrapassagem. Começam por hesitar se devem ou não fazê-la e, quando decidem pela positiva, já estão demasiado próximos da curva ou da lomba de onde pode vir um outro, veloz, ao qual, se não houver berma escapatória, só resta a colisão frontal com o energúmeno que encontra criminosamente na sua faixa. Depois de decididos a ultrapassar, há muitos que não usam a caixa de velocidades para aproveitar melhor a potência do motor a fim de mais depressa saírem da faixa da esquerda, acabando por ir ao lado do ultrapassado durante muito tempo, criando grave situação de perigo. Outro erro consiste na brusca e precoce recuperação da mão, colidindo com a parte da frente do ultrapassado, de que resulta colisão, pião, despiste, etc. Além dos erros de quem ultrapassa, há também que assinalar, por vezes, a má conduta do ultrapassado que, em vez de facilitar, encostando à direita e aliviando o acelerador, se esforça criminosamente por dificultar o «brilhantismo» do mais veloz.
Nas notícias de acidentes há que pôr em destaque a incompetência...
Resumir as causa do acidente dizendo que foi por despiste ou por excesso de velocidade, é uma simplificação ilusória e danosa, um eufemismo a evitar. É preciso ir à causa mais profunda, ao porquê desse excesso, utilizar cruamente as palavras que deixei escritas atrás. É preciso dizê-las de forma a chocar os falsos habilidosos, os presunçosos ases do volante. Por exemplo um presidente de câmara saiu do Algarve pouco mais de uma hora antes do início de uma reunião que tinha em Lisboa: resultado morreu com o motorista num autêntico suicídio conivente e o motorista mostrou a sua imperícia ao acelerar para além da sua capacidade de controlo do carro. Outro exemplo: os acidentes em cadeia na auto-estrada do Norte em 21 de Fevereiro de 2000, alegadamente devido ao nevoeiro: os automobilistas, em geral, não moderam a velocidade quando o piso está com pouca aderência, com chuva ou neve nem quando há menos visibilidade, à noite ou com nevoeiro. Pensam que «não vai acontecer nada e se acontecer depois se verá».
O resultado dessa irresponsabilidade que põe em perigo o próprio e terceiros muitas vezes é dramático. Um bom condutor conduz por forma a dominar totalmente o veículo em cada momento, regula a velocidade em função do espaço visível, das condições de aderência do piso, de todas as circunstâncias envolventes. Quem assim não faz, coloca em risco as pessoas que o acompanham, os outros utentes da estrada, prejudica os direitos dos outros à segurança, enfim, além da falta de civismo, é louco, aselha e mau condutor. Há uns inconscientes que pensam que conduzir bem é carregar no acelerador. Pura ilusão. Atingir grande velocidade não é virtude do automobilista, mas sim do motor do carro. A virtude do automobilista é manter o carro permanentemente sob controlo.
Além e por cima destes três factores, estrada, carro e motorista, há a autoridade do Estado, quer no que toca à legislação quer à fiscalização. Um cidadão atento, ao longo da fila de carros estacionados encontra vários com matrículas ilegíveis, faróis partidos ou amassados, etc.; nada pode fazer; e pelos vistos a polícia também nada pode ou quer fazer e eles continuam a circular colocando em perigo a segurança e passando imunes aos radares. Devia ser criada legislação que obrigasse à apresentação do carro reparado com comprovação passada por um IPO.
Dever de respeitar a lei e os outros utentes
O respeito pela lei deve ser uma preocupação de todos os responsáveis. Mas não ressalta da genial invenção denominada «tolerância zero» aplicada a algumas estradas. Tolerância zero é, nem mais nem menos, que cumprir a lei, e esta deve ser respeitada por todos, em qualquer ponto do país. Afirmar que a lei só é para cumprir em algumas estradas, e para ignorar noutras, é uma ilegalidade, é um convite à ilegalidade. Já devia ter-se acabado com essa farsa. Seria mais correcto falar em «vigilância máxima» ou «vigilância reforçada» nalguns itinerários. Mas o ideal seria intensificar a vigilância, a fiscalização, a repressão, sem ser anunciada, nos pontos mais perigosos.
Através das palavras de vários responsáveis parece poder concluir-se ser intenção do Governo aumentar as multas. Seria mais correcto começar pelas estradas e por uma sinalização racional, criteriosa, destinada a ajudar o automobilista a conduzir com segurança em qualquer ponto do país. Quanto às multas, creio que foi o Professor Doutor Figueiredo Dias da Faculdade de Direito de Coimbra que disse que o efeito do aumento das multas será pouco visível, sendo preferível manter-lhes o valor, mas torná-las mais prováveis para o prevaricador, reduzindo a este a probabilidade de passar impune. Realmente os sucessivos aumentos das multas não têm diminuído a sinistralidade rodoviária. Hoje, a possibilidade de ser «apanhado» sem carta, sem seguro, sem documentos poderá ser de 1 ou 2 por cento, ou menos. Porém, se os agentes policiais fizerem mais frequentes fiscalizações, esta probabilidade poderá passar para 30 ou 40 % e serão detectados carros furtados, faróis avariados, etc.
Um guarda parado ao lado da estrada pouco contribui para a segurança rodoviária, mas se fiscalizar meia dúzia de carros por hora, está a fazer um bom trabalho com vista à redução da sinistralidade, e à sensibilização dos automobilistas. As operações «stop» a realizar com frequência em todos os feixes de estradas e sempre em locais diferentes também são uma medida eficaz. É certo que a população afectada pelas paragens não gostará, mas, por isso, deve haver um esclarecimento prévio das vantagens que daí resultam para a segurança de todos.
A televisão constitui um veículo de esclarecimento e de informação privilegiado para difundir conselhos aos automobilistas e à população em geral. Em tempos, houve dois desportistas (um era o Sr Joaquim Filipe Nogueira) que apareciam a horas de grande audiência em programas curtos mas aliciantes a ensinarem coisas úteis e que não estão ao alcance de qualquer condutor. Seria de avançar para essa solução, quer através da TV, quer da rádio e dos jornais e revistas, a expensas da Prevenção Rodoviária que devia poupar evitando os habituais cartazes ingénuos, inócuos e inúteis. Esta solução pretenderia ser de efeito imediato, enquanto o efeito a longo termo seria obtido pelo ensino nas escolas e nos tempos livres. A situação é tão dramática que, por mais esforço que se faça, nada é em excesso, enquanto continuarem a morrer inocentes na estrada.
Trata-se de uma situação dramática a necessitar de solução rápida e corajosa. Repito que quem pode fazer qualquer coisa para a resolver e não faz, é moralmente conivente com os homicídios involuntários ocorridos nas estradas do país. Pela minha parte, repito este alerta já feito noutras ocasiões, infelizmente ainda sem o efeito desejado.
Como ninguém tem poderes para evitar as más condições atmosféricas, há que actuar sobre três factores determinantes: a estrada, o veículo e o condutor.
As estradas, apesar das grandes melhorias verificadas nos últimos anos, continuam, em muitos casos, a justificar sérias preocupações devido a mau traçado, perfil transversal inadequado, bermas perigosas, má drenagem provocando lençóis de água e areia no piso, buracos e, o que é muito grave, falta de sinalização ou sinalização desajustada, pouco esclarecedora, difícil de ver e de interpretar e, muitas vezes, merecendo pouco crédito, por ser demasiado restritiva e, logo a seguir, inexistente embora necessária.
A sinalização deve merecer confiança
Perdendo-se a confiança na sinalização, a partir daí, toda a sinalização que aparecer é inútil. O automobilista que viu um sinal de velocidade máxima 50 num local em que podia circular a 90, não obedece, mais à frente, a um sinal igual mas verdadeiro, e despista-se, por excesso de velocidade. Moralmente a culpa é de quem coloca sinais sem critério. Nas ruas estreitas das localidades pode circular-se a 50 Km/h. Não se compreende que em estradas que não representam perigos, nem de longe, semelhantes aos das localidades, apareçam sinais de 40 !! Em muitos casos, a sinalização só é compreendida pelos utentes frequentes (mas esses não necessitam dela) e é insuficiente e confusa para o utente eventual que, por isso, tem de abrandar a marcha, procurar interpretar e, muitas vezes, parar para indagar por onde é o caminho que pretende seguir. Estes abrandamentos e paragens prejudicam a segurança própria e a dos outros.
Um sinal colocado sem critério, não constituindo ajuda para o utente da estrada, não merecendo confiança, não tendo credibilidade, não só é inútil como principalmente é nocivo. Só poderá ter utilidade para a «caça à multa». A propósito de um acidente no Nordeste numa estrada com gelo, mostrado na televisão, um responsável pelo trânsito dizia-me que no local está um sinal a alertar para o perigo de gelo. Realmente via-se o sinal na TV. Perguntei-lhe há quanto tempo lá está o sinal, ao que me respondeu que pelo menos há um ano. Logo, é um sinal sem qualquer efeito ou credibilidade: mentiu todo o ano excepto durante poucos dias do Inverno. O automobilista não pode adivinhar qual o momento em que ele é verdadeiro. Um sinal desses deve ser colocado apenas e sempre que a sua mensagem for real e necessária para a segurança rodoviária. Isto passa-se com sinais de variados tipos por todo o país.
O veículo não é culpável
Quanto aos veículos, dizia-se há mais de uma década que o morticínio nas estradas se devia ao parque automóvel ser muito velho. Tal argumento, do agrado dos importadores e vendedores de automóveis, ainda agora é defendido como se vê no editorial da Revista do ACP de Janeiro de 2000. Porém, hoje, basta parar ao lado de qualquer rua ou estrada para ver que o parque já está bastante renovado predominando os carros mais potentes e mais seguros, acrescendo que hoje há as inspecções periódicas obrigatórias. Por outro lado, não está provado que a maioria dos acidentes seja provocada por carros com mais de 12 anos.
Também, o referido editorial considera factor de acidentes existir uma grande proporção de carros citadinos com cilindrada inferior a 1,3 litros. Porém todos estes carros dispõem de potência suficiente para circular nas estradas à máxima velocidade permitida sem «empatarem» os mais potentes cumpridores do código. Também não está provado que a maioria dos acidentes seja por eles provocada. Talvez os grandes acidentes ocorram com as potentes bombas conduzidas por automobilistas que não têm perícia, competência, destreza, capacidade, para as controlar nos limites da via, sem despistes nem colisões.
Apesar da obrigatoriedade das inspecções periódicas, continuam a circular carros, por vezes muito novos, com a matrícula ilegível, sem luzes de «stop», sem luzes indicadoras de mudança de direcção, com faróis assimétricos ou com falta de um, etc. Um carro com apenas um farol é tido, de noite, como uma mota por aquele que circula em sentido contrário, que, por isso, não lhe deixa o espaço conveniente e ocorre a colisão frontal. Tais deficiências devem ser imputadas ao automobilista por não ter tido o cuidado de verificar as condições de funcionamento antes de rodar a chave de ignição. E devem merecer mais atenção por parte dos agentes fiscalizadores e dos legisladores, pois quer em operações «stop», quer na observação de carros estacionados nas ruas, muitas dessas deficiências são facilmente detectáveis dando origem a «convite» para a reparação a comprovar com inspecção especial feita em IPO.
Em conclusão, o carro não é imputável.
O risco não compensa
Sobre o condutor, temos de concordar, recaem as maiores responsabilidades, porque, quanto à precaridade das estradas deve adaptar a velocidade do veículo e o seu estilo de condução; quanto ao carro deve verificar o seu estado de funcionamento e proceder à manutenção e às reparações convenientes. Num acidente consistindo em despiste ou capotamento ou colisão com um obstáculo fixo, dificilmente se pode absolver o motorista da total responsabilidade pelo ocorrido, devido a imperícia, desconcentração, incompetência, incapacidade, aselhice, falta de civismo, etc. Os choques frontais poderão dever-se a distracção na condução, o que é imperdoável, por manobra errada (aselhice, incompetência), farol avariado, ultrapassagem mal calculada, decidida em momento errado, mal executada, mal finalizada. Nas ultrapassagens, além da imperícia e da ausência do sentido das responsabilidades e de civismo, pode contribuir a falta de visão estereoscópica (de que muita gente é afectada) a qual impossibilita a avaliação da distância até ao fim da recta, a distância a que vem o carro em sentido contrário e a velocidade com que este se aproxima.
Além de deficiências permanentes deste e doutros tipos, há a incapacidade temporária provocada por abuso do álcool, medicamentos e drogas que dificultam a percepção, aumentam o tempo de reacção e prejudicam a coordenação de movimentos. Também o uso do telemóvel e o fumar prejudicam a concentração na condução e a liberdade de movimentos dos braços, impedindo uma reacção rápida que venha a tornar-se necessária. O sentido das responsabilidades aconselha a que as pessoas não conduzam em tais condições. O risco não compensa.
É confrangedor ver na estrada muitos condutores que não sabem fazer uma ultrapassagem. Começam por hesitar se devem ou não fazê-la e, quando decidem pela positiva, já estão demasiado próximos da curva ou da lomba de onde pode vir um outro, veloz, ao qual, se não houver berma escapatória, só resta a colisão frontal com o energúmeno que encontra criminosamente na sua faixa. Depois de decididos a ultrapassar, há muitos que não usam a caixa de velocidades para aproveitar melhor a potência do motor a fim de mais depressa saírem da faixa da esquerda, acabando por ir ao lado do ultrapassado durante muito tempo, criando grave situação de perigo. Outro erro consiste na brusca e precoce recuperação da mão, colidindo com a parte da frente do ultrapassado, de que resulta colisão, pião, despiste, etc. Além dos erros de quem ultrapassa, há também que assinalar, por vezes, a má conduta do ultrapassado que, em vez de facilitar, encostando à direita e aliviando o acelerador, se esforça criminosamente por dificultar o «brilhantismo» do mais veloz.
Nas notícias de acidentes há que pôr em destaque a incompetência...
Resumir as causa do acidente dizendo que foi por despiste ou por excesso de velocidade, é uma simplificação ilusória e danosa, um eufemismo a evitar. É preciso ir à causa mais profunda, ao porquê desse excesso, utilizar cruamente as palavras que deixei escritas atrás. É preciso dizê-las de forma a chocar os falsos habilidosos, os presunçosos ases do volante. Por exemplo um presidente de câmara saiu do Algarve pouco mais de uma hora antes do início de uma reunião que tinha em Lisboa: resultado morreu com o motorista num autêntico suicídio conivente e o motorista mostrou a sua imperícia ao acelerar para além da sua capacidade de controlo do carro. Outro exemplo: os acidentes em cadeia na auto-estrada do Norte em 21 de Fevereiro de 2000, alegadamente devido ao nevoeiro: os automobilistas, em geral, não moderam a velocidade quando o piso está com pouca aderência, com chuva ou neve nem quando há menos visibilidade, à noite ou com nevoeiro. Pensam que «não vai acontecer nada e se acontecer depois se verá».
O resultado dessa irresponsabilidade que põe em perigo o próprio e terceiros muitas vezes é dramático. Um bom condutor conduz por forma a dominar totalmente o veículo em cada momento, regula a velocidade em função do espaço visível, das condições de aderência do piso, de todas as circunstâncias envolventes. Quem assim não faz, coloca em risco as pessoas que o acompanham, os outros utentes da estrada, prejudica os direitos dos outros à segurança, enfim, além da falta de civismo, é louco, aselha e mau condutor. Há uns inconscientes que pensam que conduzir bem é carregar no acelerador. Pura ilusão. Atingir grande velocidade não é virtude do automobilista, mas sim do motor do carro. A virtude do automobilista é manter o carro permanentemente sob controlo.
Além e por cima destes três factores, estrada, carro e motorista, há a autoridade do Estado, quer no que toca à legislação quer à fiscalização. Um cidadão atento, ao longo da fila de carros estacionados encontra vários com matrículas ilegíveis, faróis partidos ou amassados, etc.; nada pode fazer; e pelos vistos a polícia também nada pode ou quer fazer e eles continuam a circular colocando em perigo a segurança e passando imunes aos radares. Devia ser criada legislação que obrigasse à apresentação do carro reparado com comprovação passada por um IPO.
Dever de respeitar a lei e os outros utentes
O respeito pela lei deve ser uma preocupação de todos os responsáveis. Mas não ressalta da genial invenção denominada «tolerância zero» aplicada a algumas estradas. Tolerância zero é, nem mais nem menos, que cumprir a lei, e esta deve ser respeitada por todos, em qualquer ponto do país. Afirmar que a lei só é para cumprir em algumas estradas, e para ignorar noutras, é uma ilegalidade, é um convite à ilegalidade. Já devia ter-se acabado com essa farsa. Seria mais correcto falar em «vigilância máxima» ou «vigilância reforçada» nalguns itinerários. Mas o ideal seria intensificar a vigilância, a fiscalização, a repressão, sem ser anunciada, nos pontos mais perigosos.
Através das palavras de vários responsáveis parece poder concluir-se ser intenção do Governo aumentar as multas. Seria mais correcto começar pelas estradas e por uma sinalização racional, criteriosa, destinada a ajudar o automobilista a conduzir com segurança em qualquer ponto do país. Quanto às multas, creio que foi o Professor Doutor Figueiredo Dias da Faculdade de Direito de Coimbra que disse que o efeito do aumento das multas será pouco visível, sendo preferível manter-lhes o valor, mas torná-las mais prováveis para o prevaricador, reduzindo a este a probabilidade de passar impune. Realmente os sucessivos aumentos das multas não têm diminuído a sinistralidade rodoviária. Hoje, a possibilidade de ser «apanhado» sem carta, sem seguro, sem documentos poderá ser de 1 ou 2 por cento, ou menos. Porém, se os agentes policiais fizerem mais frequentes fiscalizações, esta probabilidade poderá passar para 30 ou 40 % e serão detectados carros furtados, faróis avariados, etc.
Um guarda parado ao lado da estrada pouco contribui para a segurança rodoviária, mas se fiscalizar meia dúzia de carros por hora, está a fazer um bom trabalho com vista à redução da sinistralidade, e à sensibilização dos automobilistas. As operações «stop» a realizar com frequência em todos os feixes de estradas e sempre em locais diferentes também são uma medida eficaz. É certo que a população afectada pelas paragens não gostará, mas, por isso, deve haver um esclarecimento prévio das vantagens que daí resultam para a segurança de todos.
A televisão constitui um veículo de esclarecimento e de informação privilegiado para difundir conselhos aos automobilistas e à população em geral. Em tempos, houve dois desportistas (um era o Sr Joaquim Filipe Nogueira) que apareciam a horas de grande audiência em programas curtos mas aliciantes a ensinarem coisas úteis e que não estão ao alcance de qualquer condutor. Seria de avançar para essa solução, quer através da TV, quer da rádio e dos jornais e revistas, a expensas da Prevenção Rodoviária que devia poupar evitando os habituais cartazes ingénuos, inócuos e inúteis. Esta solução pretenderia ser de efeito imediato, enquanto o efeito a longo termo seria obtido pelo ensino nas escolas e nos tempos livres. A situação é tão dramática que, por mais esforço que se faça, nada é em excesso, enquanto continuarem a morrer inocentes na estrada.
Trata-se de uma situação dramática a necessitar de solução rápida e corajosa. Repito que quem pode fazer qualquer coisa para a resolver e não faz, é moralmente conivente com os homicídios involuntários ocorridos nas estradas do país. Pela minha parte, repito este alerta já feito noutras ocasiões, infelizmente ainda sem o efeito desejado.
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