(Enviada aos jornais em 11 de Dezembro de 2004)
Portugal tem sido objecto da atenção do público internacional, nem sempre pelos melhores motivos. Recentemente, foi referida a sua posição quanto ao crescimento do PIB per capita em relação aos restantes países da Europa, estando atrás não só dos outros catorze membros mais antigos da EU mas também de três novos membros (Eslovénia, Malta e Chipre). Mais próximo do dia de hoje, aparece a notícia sobre o ensino da matemática em que os nossos jovens ficaram na 25.ª posição num grupo de 29 países. Esta é uma situação traumatizante num país em que o grande matemático Pedro Nunes criou o nónio e em que os navegadores conceberam métodos de orientação em alto mar e desenvolveram a cartografia.
Mas nem tudo é mau. Além da árvore de Natal mais alta da Europa, é de salientar o esforço hercúleo de membros do Governo a apelarem à literacia, incitando os portugueses a utilizarem o dicionário, certamente para incrementar o conhecimento da língua pátria! São calos de extraordinário apelo à cultura o caso de saber o que é uma cabala e se esta pode ser construída involuntariamente; o caso de saber se houve ou não censura, directa ou discreta, no caso de Marcelo Rebelo de Sousa; o caso de determinar se a comissão da Informação iria cercear o direito de liberdade de imprensa e de liberdade de opinião e de expressão; o caso de saber o significado de polvo e se o Presidente da República tem ligações com algum, como um governante insinuou; o caso de saber o significado de caudilhismo e se em Belém reside ou não um caudilho; o caso de saber se a notícia do fabrico do Pandur na antiga Sorefame, foi dada prematuramente, perante simples intenção, antes de o negócio estar formalizado, etc.
E que dizer dos conflitos entre ministérios quanto à explosão na refinaria de Leça e, mais recentemente, quanto à notícia, pelos vistos prematura, da montagem do Pandur na Bombardier? Curiosamente, estes conflitos verificaram-se entre ministros de partidos diferentes da coligação. Será isso um mau prenúncio para a continuação desta? Ou será apenas um indício de que Portugal é um país surrealista?
Mas, mesmo que alguém desculpe algumas faltas de rigor, por se tratar de uma equipa que foi comparada a um bebé prematuro, maltratado pela família, o certo é que é de louvar o esforço feito no sentido de estimular os portugueses a folhearem o dicionário e a enciclopédia. E, dessa forma, concluímos que se vai gerando na população a convicção de que convém saber ler, mesmo que não se chegue aos calcanhares de Almeida Garrett, recordado nos jornais no dia em esboço este texto. E, lendo e aprendendo a observar e a analisar por si, o povo ficará mais esclarecido e menos vulnerável a lindos discursos sem conteúdo real.
Mil dias
Há 22 minutos
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