(Publicado no «Diário de Notícias», 3 de Agosto de 2003)
A Prevenção Rodoviária Portuguesa continua as suas actividades oníricas, gastando infrutiferamente os dinheiros públicos. Depois de experiências que, apesar de custosas, nada de benéfico trouxeram à segurança nas estradas, surgiu agora nas televisões, em horário nobre, o «spot» «paz na estrada». Antes deste, recordo, «a segurança rodoviária está nas nossas mãos», «a segurança rodoviária somos nós», «o álcool na estrada mata», etc. Enfim, uma quantidade de palavras beatíficas, muito bem intencionadas, mas demasiado vagas e gerais, que na prática são vazias de conteúdo. Mesmo a Bíblia, ao aconselhar «paz na Terra aos homens de boa vontade», apesar de os sacerdotes explicarem repetidamente a sua pia intenção, não tem evitado as sucessivas guerras no mundo.
Diz a sabedoria popular que «de boas intenções está o inferno cheio». Os problemas reais não se resolvem com sonhos e palavras miríficas. Dizia, em 27 de Julho na TV, o ministro da Ciência que o ensino deve ser adequado às características da camada social a que se destina o que leva a que hoje ele deva caracterizar-se por aspectos mais práticos, de aprendizagem técnica das aplicações da ciência, enquanto que há 40 anos podia ser mais livresco e apelativo à dedução e à especulação.
Não é esta a lição que a PRP está a aplicar. As sua boas intenções nada têm de prático, nada ensinam aos alvos mais atreitos a acidentes, não apontam os erros de condução a corrigir, os abusos a evitar, os cuidados a ter, etc. Por outro lado, a propósito de paz, a condução nada tem de pacífico, pois é uma luta constante, com riscos elevados. Há que lutar contra a distracção, contra o sono, para dominar o carro (embraiagem, acelerador, travão, caixa de velocidades), para se manter nos limites da lei, da sinalização, nos intervalos dos buracos, no espaço que os outros carros nos deixam, etc.
E indo para um aspecto ainda mais prático, a luta mais perigosa é a da ultrapassagem, começando pela decisão, que deve ser tomada de forma correcta e oportuna, o mais cedo possível (muito antes da próxima curva, lomba ou traço contínuo, levando em atenção a velocidade e a potência disponível do nosso carro, a velocidade do carro a ultrapassar, a do carro que vem em sentido contrário, o espaço disponível para que todos possam continuar a viagem em segurança, etc.
Em vez das frases bem intencionadas seria preferível dar pequenos conselhos práticos, pormenorizados, facilmente compreensíveis pelos condutores mais sujeitos à tentação dos excessos e desmandos. Há 40 anos aprendi a controlar o carro em derrapagem e a provocar derrapagens controladas através de uma revista especializada em automóveis. Também, nas televisões já houve programas muito interessantes para este objectivo. Pergunto: porque não se revêm esses programas e se tomam como modelos ou simples inspiração para elaborar outros com semelhante finalidade? E tudo leva a crer que, na fase actual, para reduzir a tragédia das estradas, é necessária uma fiscalização intensa ao carro, aos documentos, à velocidade excessiva, às manobras perigosas, seguida de penalizações sem perdão e imediatas, por forma a evitar o sentimento generalizado de impunidade. Há que criar nas pessoas a convicção de que têm pequena probabilidade de não ser apanhadas pela polícia quando cometem infracção.
E, terminando com palavras também cheias de nobre intenção, que Deus ilumine a mente dos «responsáveis» e os faça descer à terra e às soluções realistas.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
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