(Publicado na «Grande Reportagem» em 31 de Julho de 2004, pág. 6-7)
O Dr. Mário Soares, autoconvencido de ser o expoente máximo da ciência política, criticou a decisão do Presidente da República, o qual, segundo ele, devia ter optado por eleições antecipadas para dar ao povo a iniciativa da solução da crise. Certamente o PR, na sua longa e profunda reflexão e após a consulta de personalidades de projecção nacional, não deixou de analisar essa hipótese e teria verificado que, ao lado dos perfis das pessoas intervenientes, levantava-se o receio bem fundamentado da abstenção. Com efeito, tendo esta sido de cerca de dois terços do eleitorado nas eleições de 13 de Junho, iria possivelmente ser ainda mais alta no fim das férias, devido ao cansaço destas e à convicção de que não vale a pena escolher, por «os políticos serem todos iguais».
Mas além deste aspecto, o país vai ficando mais clarificado quanto à falta de tenacidade dos políticos na defesa do bem público. Vejamos: Guterres abandonou o cargo de PM quando começou a ter dificuldades que tornavam provável uma derrota eleitoral. José (Durão) Barroso fez exactamente o mesmo, com a diferença de trocar por um cargo melhor remunerado e com mais benesses e visibilidade na comunicação social mundial. Seguindo a mesma falta de dedicação e espírito de missão, Eduardo (Ferro) Rodrigues aproveitou a melhor oportunidade para evitar a derrota no próximo congresso do partido e nas próximas legislativas. Também Vitorino achou que está bem e não se sente com motivação para vir enlamear-se no pântano lusitano. Parece que, no estado em que isto se encontra, não há capacidade de atracção para puxar gente válida que preza a sua reputação e o seu valor. (Depois de alinhavar estas linhas deparei com a crónica de Vasco Pulido Valente de 16 do corrente que faz uma radiografia muito nítida da doença do país).
Surge, então, a pergunta no espírito de um simples cidadão pensante: Se não houver quem tenha valor, competência e vontade para salvar o país, onde iremos parar? Que vida terão os nossos filhos e os nossos netos? E tudo isto apresenta a agravante de em vez de um esforço participado para a recuperação inicial, haver muita gente da oposição que declara considerar ser sua missão sublime lutar, em permanência e com intensidade, contra o governo ainda à procura da melhor via para realizar o seu programa. Como é possível recuperar a situação do país doente ou convalescente? Parece que a oposição, por uma questão de defesa da melhoria do bem-estar do bom povo, deveria, no relacionamento com o governo, pôr de lado a linguagem comicieira e adoptar a do colóquio e do diálogo para conseguir as melhores soluções para o país que é de todos, incluindo os vindouros. Esta solução poderia ser levada a cabo sem prejudicar a imagem e a capacidade de alternância da oposição.
Se assim não entenderem e continuarem a digladiar-se por tudo e por nada o futuro poderá levar-nos a todos para a emigração.
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