sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O bom senso é indispensável. 050328

(Publicada em A Capital em 28 de Março de 2005)

Por vezes, fica a dúvida se Portugal se situa na Europa, na África ou em nenhum continente, mas no ar, fora do contacto com as realidades terrestres. Em momentos em que os responsáveis têm de reflectir serenamente sobre os prós e contras das soluções em discussão, são submetidos a pressões de tal forma intensas que, por não as evitarem, acabam muitas vezes por cair para o lado menos apoiado pelo realismo e pelo bom senso. Foram polémicas as decisões tomadas sobre a construção do túnel da CREL, em Belas, para salvar as pegadas dos dinossauros que depois disso nunca ficaram visitáveis; a compra da pedreira do Galinha na Serra de Aire para conservar pegadas do mesmo bicho de que a cultura do País nada tem beneficiado; a interrupção da construção da barragem de Foz Côa para preservar as gravuras rupestres; os sucessivos adiamentos da barragem de Alqueva. Nestes casos os custos foram superiores a 10 milhões no caso do túnel, mais de dois milhões e meio para a pedreira, mais de 100 milhões anteriormente gastos na barragem de Foz Côa e vemos agora que a seca do Alentejo poderia não ter sido tão trágica se Alqueva tivesse sido construída há dezenas de anos e o sistema de irrigação estivesse a funcionar.

Agora, coloca-se o problema da casa onde morreu o escritor Almeida Garrett. A argumentação a favor de nada se fazer na casa, que tem estado abandonada há anos e que acabaria por ruir, deixa entrever, além do aspecto cultural, o factor político por o imóvel pertencer actualmente à família de um ministro. O falecimento do escritor já ocorreu há mais de 150 anos (9 de Dezembro de 1854) e nada do conteúdo da casa por ele utilizado existe actualmente, pois o edifício teve várias utilizações ligadas à indústria e ao comércio, actividades mais interessadas no «vil metal» do que na cultura. Não se trata de uma casa em que uma celebridade tenha vivido e que se encontre tal qual foi deixada (o escritório, o tinteiro, o papel, o quarto, etc.). Parece que, realisticamente, seria de manter a parte essencial da fachada e a lápide comemorativa como uma sensata e adequada colaboração com a finalidade cultural e histórica de homenagem a pessoa tão célebre.

A experiência tem demonstrado que a melhor maneira de conservar o património consiste em dar-lhe utilização. Os castelos e conventos da nossa história que deixaram de ser utilizados, entraram rapidamente em ruínas, enquanto que aqueles que passaram a ser utilizados pelo Exército, Serviços públicos, Hospitais, Pousadas, etc. se mantêm em bom estado de conservação, embora no interior tenham recebido algumas alterações com vista a aumentar a funcionalidade pretendida. Antes de decidirem em casos deste género, os governantes devem obter pareceres de pessoas competentes e independentes e avaliar, com bom senso, os prós e os contras de cada alternativa de solução para escolherem a mais adequada aos interesses nacionais, sem sucumbir às pressões de lobies interessados e sem temer preconceitos nem acusações de falta de cultura ou de sensibilidade por isto ou por aquilo.

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