(Publicada em O Independente de 04 de Junho de 2004)
Felicito o Futebol Clube do Porto por mais uma vitória significativa, levando o nome de Portugal aos ouvidos de muitos estrangeiros. Também desejo que a nossa equipa tenha resultados apreciáveis no Euro 2004.
Mas o ruído que se tem levantado à volta do futebol, antes e depois dos grandes jogos não me parece um sintoma de saúde da nossa sociedade actual. Em época de crise económica em que o encerramento de empresas tem deixado muitos lares em dificuldades financeiras, é preocupante que mais de onze mil pessoas se tenham deslocado em quarenta e sete aviões. à Alemanha para assistir ao jogo. O próprio Primeiro-Ministro adiou a inauguração de uma cátedra com o nome de Saramago, no México e a chegada à Cimeira EU/América Latina, para poder assistir à final da Liga dos Campeões. Cerca de uma dezena de deputados, para assistir ao jogo, faltaram às tarefas para que foram eleitos e para que são pagos pelos nossos impostos.
Isto representa uma alteração de comportamentos das pessoas que não é atribuível a pessoas singulares e merece ser estudada por sociólogos e outros especialistas. Vai longe o tempo em que foi lançada a frase «a religião é o ópio do povo». Hoje o futebol desempenha esse papel narcotizante. Vai longe o tempo em que se acusava o regime anterior ao 25 de Abril de utilizar a bola para desviar o pensamento das pessoas da reflexão sobre problemas nacionais graves. Hoje não estamos melhor. Há quem diga que a sociedade ensandeceu.
Recorde-se o funeral do jogador do Benfica vítima de morte súbita . Comparado com ele, o funeral de António Champalimaud ficou no anonimato, ele que foi um empresário que criou riqueza para o país e grande quantidade de postos de trabalho.
Mas não devemos ficar por esta comparação. A Assembleia da República em 27 de Maio aprovou várias moções de louvor ao Futebol Clube do Porto pela vitória na Liga dos Campeões; mas nunca houve uma referência elogiosa à empresa que mais exportou, ou àquela que tem mais alta produtividade, ou àquela que mais impostos pagou ao erário público. É que as exportações, a produtividade e os impostos são factores muito importantes para o PIB e, daí, para o desenvolvimento do bem-estar da população.
Parece que uma televisão vai fazer um concurso com uma pergunta diária sobre o Euro-2004, mas não consta que se faça concurso semelhante com perguntas sobre a importância das próximas eleições para o Parlamento Europeu. Vê-se muitas horas dedicadas ao futebol e ao Rock-in-Rio mas ignoram-se as medidas concretas a tomar por cada cidadão para reduzir os acidentes de trabalho, os acidentes rodoviários, os fogos florestais, a poluição, etc.
Nós, portugueses, temos de pensar seriamente nos verdadeiros problemas que realmente nos devem preocupar porque deles depende a nossa sanidade mental e económica. Para isso é necessário que os meios da Comunicação Social estabeleçam prioridades sensatas, positivas, para servirem de estímulo e acelerador aos esforços individuais. Podemos vir a ser grandes, e tornarmo-nos conhecidos lá fora por algo de válido, além do futebol, assim o queiramos.
Democracia dá trabalho
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