quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Ninguém é dono de ninguém. 040921

(Enviada à Grande Reportagem, em 21 de Setembro de 2004)

Há meio século (Abril de 1955), em Bandung, uma conferência convocada por cinco Estados asiáticos e em que participaram outros 21 Estados do sul pretendia resolver os problemas do chamado Terceiro Mundo. Os Não-Alinhados - assim se denominaram - advogavam a coexistência pacífica, o desarmamento, a suspensão de ensaios nucleares e a não-intervenção. Alguns anos depois, em Dezembro de 1960, a resolução n.º 1514 das Nações Unidas tomava posição sobre a descolonização, partindo do princípio de que o colonialismo trava o desenvolvimento do país subjugado. Nenhum país tinha o direito de colonizar outro.

Se os nacionalismos vêm de tempos muito antigos, como a revolta dos lusitanos contra Roma, ou a independência de Portugal, eles conheceram grande notoriedade em fins do séc. XIX, quando começaram a aparecer pessoas preparadas intelectual e tecnicamente para governar os seus povos, e daí os movimentos independentistas atrás referidos. Eram os chamados «ventos irreversíveis da história», que viriam a produzir dezenas de novos Estados por todo o Terceiro Mundo. A descolonização não foi um comportamento fácil para a maioria dos colonizadores, que contrariando as pretensões das colónias, levaram estas a ter de lutar duramente para conseguirem a libertação. Esse tipo de luta, já observado nos Lusitanos contra Roma, por Portugal contra Castela, e contra os invasores napoleónicos, assumiu grande visibilidade na Indochina Francesa, na Argélia, no Congo, na Guiné Bissau, em Angola, em Moçambique, etc.

Ao fim de muitos anos de luta, de muitas vidas e haveres perdidos, o objectivo das colónias foi alcançado. Vistas as coisas «a posteriori», fica-nos a interrogação: porque foi que os colonizadores não entraram em negociações em vez de repressões sangrentas? Ambas as partes beneficiariam por terem evitado tanta perda. Esta seria uma lição a aprender.

Mas a lição não foi aprendida. Os líderes dos países consideram-se mais poderosos se tiverem sob a sua alçada um território mais vasto e, por isso, não querem perder pitada. É conhecida a frase de um imperador «No meu Império o sol não chega a pôr-se». Esquecem-se de que a extensão, hoje, já não representa factor de potencial estratégico como outrora, já não corresponde a riqueza e felicidade do seu povo. Repare-se que, na Europa, o Luxemburgo com 2.600 quilómetros quadrados tem um PNB per capita de 42.000 dólares, o Holanda, com 41.000 Km2, tem 24.000 dólares, a Bélgica, com 31.000 Km2 tem 24.000 dólares. Em contrapartida, países extensos como o Sudão e a Argélia, com, respectivamente 2.506.000 e 2.382.000 Km2 têm respectivamente apenas 300 dólares e 1.600 dólares.

A ganância dos políticos leva-os a ignorar valores defendidos pelos seus antepassados. A Inglaterra deu a independência às colónias mas nega-a ao Ulster, a Indonésia quis a sua independência mas não concede autonomia a Aceh e a Ambom, também a Índia não dá independência à Caxemira, etc. A URSS apoiava todos os movimentos de libertação e independentistas, mas agora Putin nega a independência à Tchetchénia, preferindo carnificinas como as do teatro de Moscovo e da escola de Beslan, o abate de aviões e de helicópteros e outros atentados. A Espanha prefere as baixas humanas e os prejuízos materiais causados pela ETA a negociar a autonomia do País Basco. Marrocos julga que ficará diminuído com a independência da República Saraui. O Sudão não quer perder o Darfur. A Angola não quer ficar sem Cabinda.

Todas estas lutas terão um fim. Analistas de renome mundial, na entrada do milénio, disseram que no presente século os membros da ONU irão aumentar para um número muito superior a 200. Porquê então retardar as independências e causar tanta morte? E o mais grave é que os nacionalistas, apoiados por especialistas do terror, aumentam e diversificam a sua capacidade de luta, enquanto as forças repressivas utilizam métodos e meios desajustados em que a matraca é usada sem limite nem critério. Note-se a forma como Moscovo enfrentou os dois sequestros – do teatro e da escola – causando a morte de inocentes que, de outra forma, poderiam ter sobrevivido. Um sequestro é um convite à negociação, a qual pode deixar ileso o refém, além do susto e da experiência desagradável por que passa. A recusa de negociação e o uso da força pode lesar gravemente os reféns, como aconteceu nos casos citados. A libertação de reféns ou se consegue com negociação ou, optando-se pela intervenção, esta tem que ser levada a cabo por especialistas muito bem preparados e com informações pormenorizadas e seguras, como aconteceu em 1976 no caso da libertação do avião israelita desviado por um comando palestiniano para Entebe (no Uganda, junto ao Lago Vitória).

As lutas independentistas iniciais, com meios pouco mais do que artesanais, foram crescendo em violência e técnica utilizada. Perdido o respeito pelos direitos humanos, evoluiu para o terrorismo que, apoiado nas tecnologias da globalização, se internacionalizou, com apoio mútuo entre as facções de todo o mundo mesmo que pouco tenham de comum entre si. Provavelmente, tudo teria sido evitado à nascença, com uma correcta compreensão das ideias que serviram de base à Revolução Francesa (ou ao cristianismo). Agora, a «luta contra o terrorismo» constitui uma outra forma de terrorismo. Vejam-se os dois casos típicos da Rússia que merecem uma reflexão profunda e desapaixonada. Para evitar a independência da Tchetchénia, já se perderam milhares de vidas e, com a concentração de poderes nas mãos de Putin, as expectativas são para um aumento desse número, incluindo muitos inocentes.

É difícil saber o que é pior, se o facto de um povo que quer ver a sua independência reconhecida ter de adoptar medidas tão arriscadas para pessoas inocentes e indefesas, ou a forma autista, autoritária e obstinada como os detentores reais do poder usam este de forma inadequada, para não cederem um milímetro.

O substracto da conferência de Bandung, pode traduzir-se por ninguém é dono de ninguém, e cada povo tem direito a escolher a sua forma de viver. É este o princípio democrático do livre-arbítrio, da liberdade de opinião, de expressão e de escolha. Mas a democracia serve aos países poderosos, apenas para manter os pequenos subjugados, senão política, pelo menos económica e psicologicamente com temor de represálias.

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