(Publicada no Público 19 de Setembro de 2005)
O descontentamento dos militares tem sido o prato forte das notícias nos últimos dias, estimulando comentários de diversos sectores. Porém, não vi ainda uma análise objectiva do problema que não deve ser observado pela óptica restrita da actual crise financeira. Depois do 25 de abril que os políticos bendisseram por lhes oferecer uma oportunidade de abraçar o Poder, os militares foram aos poucos por eles perseguidos, pelo receio de um novo golpe em função de erros da governação. Havia, por isso, que retirar toda a força aos detentores das armas mesmo que isso viesse a prejudicar o último argumento da soberania nacional.
Nesse sentido, na promoção a general deixou de ser factor essencial a competência profissional, sendo, pelo contrário, primordial a qualidade de obediência ao Poder político. Passaram a ser promovidos pelo Conselho Superior Militar, presidido pelo ministro da Defesa Nacional que, como tem vindo a ser demonstrado nos últimos dias, impõe a sua vontade sem aceitar objecções. Além disso, durante o Governo de Cavaco Silva, foi dado um golpe fatal na coesão das Forças Armadas. Os vencimentos dos oficiais estavam indexados ao vencimento máximo (general), existindo uma proporção fixa. Cavaco, para conquistar a dedicação incondicional dos generais, além da promoção por critérios políticos, separou, para cima, os vencimentos dos generais, criando um fosso entre o coronel e o então brigadeiro,
Estavam, assim criadas condições para as Forças Armadas serem pastoreadas pelo ministro da Defesa, utilizando os generais como cães pastores. Parece um exagero, mas a realidade mostra que não é: na actual crise, o CEMGFA foi à TV repetir religiosamente os argumentos que tínhamos ouvido pouco antes ao ministro. No jornal de 14, ficámos a saber que a Armada, para reduzir a participação na manifestação (que não houve) mandou para exercícios vários navios e 600 fuzileiros, o que equivaleu a custos de muitos milhares de euros, em momento de contenção de despesas.
Os militares, que são considerados cidadãos de segunda, por lhes serem recusados variados direitos, liberdades e garantias comuns aos vulgares cidadãos, não podem ter sindicatos. Essas restrições eram compensadas com aquilo que agora chamam «regalias», que lhes são retiradas, com desrespeito leis vigentes, por partte do Governo. A manifestação foi recusada com base na legislação das restrições de cidadania, o que mostra que há leis de referência e leis que são ignoradas e desrespeitadas pelo Poder. A justificação para não haver sindicato era a de que a hierarquia defendia cabalmente os interesses dos «trabalhadores» militares, mas os factos mostram o contrário. Os casos atrás citados e a ausência de generais a tomarem posição, mesmo que discreta, são uma prova que fala por si. Com o esquema de promoção e de nomeação, essencialmente político, esta apatia e «obediência» ao Poder não é de estranhar, o que vem dar mais valor às atitudes tomadas em momento oportuno pelos generais Loureiro dos santos e Gabriel Teixeira, pelos quais todos os militares devem nutrir muito respeito e consideração. E como os chefes militares defendem os políticos e não os seus homens, estes têm, moralmente, o direito à indignação e a desejarem uma organização sindical que os defenda, como acontece na função pública, nomeadamente nos juizes.
O que resulta disto tudo? Provavelmente, a curto prazo, vai deixar de haver voluntários para uma actividade desprezada e perseguida pelos políticos, que se regozijam ao citar a lei que lhes retira os direitos comuns a qualquer cidadão e os trata como ovelhas de um rebanho que apenas tem que obedecer sem poder indignar-se e reclamar. Assim, a actividade militar está em vias de extinção. Os coveiros já estão em actividade.
Belles toujours
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