(Publicada no Expresso de 18 de Fevereiro de 2005)
Pela alma da Irmã Lúcia, a minha prece para que rogue a Deus pelo destino dos portugueses. A fé e os afectos de cada um devem ser respeitados e, por isso, não está correcto que se instrumentalize a excelsa imagem desta senhora privilegiada que irá ocupar lugar de destaque na lista de beatos e santos ao lado os seus primos. Os meus parabéns ao bispo das Forças Armadas, Januário Ferreira, e ao ex-bispo de Setúbal, Manuel Martins, por terem, publicamente manifestado repúdio pelo aproveitamento político do falecimento desta santa criatura, tão considerada pelos portugueses.
Não posso deixar de me interrogar sobre o que seria feito pelos políticos se o falecimento tivesse ocorrido há um mês ou viesse a ocorrer daqui a duas semanas. Também me choca que, mais uma vez, se brinque com a Bandeira Nacional que foi colocada a meia haste agora, como o foi quando do falecimento do Prof. Sousa Franco, também durante campanha eleitoral, mas não o foi pela morte da ex-Primeira Ministra Maria de Lurdes Pintasilgo. Qual é o critério? Apesar de já ter escrito sobre a ausência de critério, ninguém explicou aos portugueses as razões. Mas o povo que pensa, acaba por tirar as suas conclusões.
Num Estado laico, não islamista, nem radicalizado em qualquer religião, aceito e acho muito bem que Belmiro de Azevedo tenha ido prestar homenagem à falecida, acho bem que Portas tenha mudado de gravata em sinal de luto, acho bem que os políticos, individualmente, na condição de católicos, compareçam às exéquias. Mas não vejo razão para se parar a campanha de esclarecimento do povo com vista à próxima ida às urnas. Certamente que milhares de eleitores dirão que nada se perde com um dia ou dois a menos na campanha eleitoral, pois o esclarecimento que dela advém é nulo. Mas estranho que os líderes partidários pensem o mesmo.
Também me choca que um líder tenha identificado a Irmã Lúcia como «figura histórica da Igreja» e «figura ímpar do século XX». Porquê estas frases? Só porque faleceu em vésperas de eleições e é preciso utilizar o facto para conquistar votos? Tenham em atenção que estes elogios irão ofender a imagem pública de muita gente por esse mundo fora, como a Madre Teresa de Calcutá e o próprio Papa João Paulo II. E que fez a Irmã Lúcia em benefício de Portugal para merecer o luto nacional? E que fez pelo mundo a partir da sua clausura vitalícia?
Com o baixo nível da campanha eleitoral ficou prejudicada a credibilidade, a sinceridade e a capacidade de compreender o país, dos políticos, mas com este aproveitamento político de um facto religioso e humano, poderão prejudicar os motivos da fé de muitos portugueses. Não falta razão aos dois bispos que ousaram saltar à estacada e apontar o dedo a este sacrilégio.
Moçambique: assim se vê a força do PC
Há 52 minutos
Sem comentários:
Enviar um comentário