quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Iraque. A normalização. 031116

Iraque. A normalização
(Enviada aos jornais em 2003.11.16)

Qualquer decisão, das pessoas, das empresas ou dos Estados, deve ser precedida por uma reflexão lógica. Poderá começar-se por analisar a situação actual, os seus antecedentes e os factores definidores das capacidades a utilizar na acção a empreender. Haverá que estabelecer de forma clara o objectivo (finalidade, meta) a alcançar, o qual deve ser viável tendo em conta as capacidades existentes ou a obter e as dificuldades previsíveis. É fundamental ter sempre em mente que qualquer decisão deve visar o futuro, o objectivo, e que já não consegue alterar o passado, o qual não passa de um dos aspectos causais da situação actual. Assim, se evita perder tempo a lamentar o leite derramado.

As críticas ultimamente vindas a lume à ida ou não de militares para o Iraque (nossos, dos japoneses ou de outros países) não parecem correctas por não serem realistas e não seguirem um raciocínio lógico e coerente. O desconhecimento da situação actual produz a surpresa, por vezes desagradável, dos próprios jornalistas.

Quaisquer que tenham sido os verdadeiros motivos que a originaram, a acção da coligação anglo-americana está a evidenciar-se errada quanto aos efeitos. Ela evidencia total incapacidade para oferecer aos iraquianos (ex-vítimas do ditador desumano e agora vítimas da ocupação estrangeira) um futuro de harmonia e felicidade. Uma guerra de guerrilhas produz baixas em civis inocentes e não se resolve exclusivamente com meios militares, mas principalmente com negociações políticas, o que está a ser difícil por não haver uma estrutura definida de um lado e por não haver já credibilidade do outro.

Não ajuda a compreender o âmago do problema adoptar-se um antiamericanismo maníaco ou um seguidismo doentio. A realidade mostra-nos uma situação dramática para os iraquianos, sejam xiitas, sunitas ou curdos. Há que fazer tudo o que for possível e adequado para lhes garantir condições de vida aceitáveis, social e economicamente. Para isso, as principais potências deveriam coligar-se para substituírem a guerra, que ainda continua, por uma paz de trabalho de reconstrução e normalização. Elas não podem virar as costas a esse seu dever humanitário, e também têm nisso interesse político, económico e de prestígio. Mais do que na RDC, no Ruanda, na Libéria, na Serra Leoa ou na Guiné Bissau, é preciso que a Comunidade Internacional faça tudo para pôr fim à violência e apoiar o restabelecimento da ordem no Iraque.

O Japão amedrontou-se. Espera que sejam os outros países a normalizar o Iraque para, só depois, avançarem. Avançar, então, para quê? E quem espera o Japão que, entretanto, apazigue a situação?

Porque não se coligam a França, a Alemanha, a Rússia e a China a fim de mostrarem aos EUA a verdadeira solução, convencerem-nos a irem para casa, e depois apoiarem os iraquianos a implantar a normalidade? Tal iniciativa não pode ser deixada a pequenos países como Portugal. É certo que, numa situação tão crítica, é conveniente a boa vontade de todos, mas à frente, para coordenar, deve estar uma coligação forte, credível, com capacidade de garantir o respeito por uma autoridade local exercida por nacionais.

Mas, qualquer solução, para ser eficiente não pode permitir um intervalo de vazio e caos, um momento em que tudo se pode agravar irremediavelmente; a saída dos militares da coligação, de que já se fala, não pode deixar à solta os ódios ancestrais que seriam o pior flagelo para os iraquianos pacíficos e desejosos de paz, os iraquianos pessoas de bem.

Em conclusão, a atitude temerosa dos Samurais de hoje não parece lógica, e a ousadia dos portugueses talvez seja, relativamente, exagerada e precoce, pois outros mais poderosos e com maiores responsabilidades no palco internacional deviam avançar primeiro.

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