quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Iraque. Negociação ou guerra? 030208

(Publicada no «Público», 8 de Fevereiro de 2003)

O dilema entre racionalidade e emotividade surge-nos muitas vezes com aspectos extravagantes, principalmente nos momentos de crise quer internacional, como na tensão com o Iraque, quer nacional, como no caso da detenção preventiva de um presumível pedófilo. As pessoas pronunciam-se mais em função das suas convicções emotivas do que movidas por motivos racionais.

Mas isso é um facto velho, já sem nada de novo, quando surge de pessoas vulgares, sem uma preparação específica, sem um passado responsabilizante. Porém, há pessoas de quem esperamos menos paixão e mais atitudes reflexivas, e que, depois, nos desiludem. Estou a pensar no Professor Freitas do Amaral que vi e ouvi na televisão, poucos minutos antes do discurso de Colin Powell no CS/ONU, a dizer que uma intervenção militar contra o Iraque só seria justificável se o Iraque possuísse «quantidades industriais» de armas químicas ou bacteriológicas, se tivesse vectores que as pudessem projectar a grande distância, intenção de as utilizar, etc.

Foi traído pela sua memória, aliás excepcional, ao olvidar que o Iraque conhece bem esse tipo de armas que já utilizou contra o Irão na década de 1980 e contra os seus concidadãos curdos e xiitas. Por outro lado, a falta de provas documentais da destruição de toneladas de armas químicas e biológicas, existentes em 1991, a que foi obrigado pela ONU, levanta a dúvida da sua dispersão por grupos terroristas. E nas mãos de terroristas não são necessárias as «quantidades industriais» referidas por F. Amaral. Basta uma pequena botija de gás mostarda, de VX, de Sarin ou de Varíola, de lepra, de antrax, etc., para provocar um número assustador de vítimas. Oxalá F. Amaral não venha a sofrer na família ou nos amigos os efeitos de um caso daqueles de que há exemplos recentes no mundo.

Impõe-se o desarmamento de um tal regime autocrático. O ideal seria que o regime democrático americano, que F. Amaral detesta, o conseguisse por meios pacíficos, conforme muitos países pretendem, inclusivamente a Arábia Saudita. Mas nas relações internacionais, não há nada que se pareça com o Direito interno em que F. Amaral é um exímio professor. E a força é muitas vezes a única solução eficaz, embora todos lhe vejam os incontroversos inconvenientes. Mas para a solução pacífica tem de haver a cooperação do ditador, o que não parece viável, apesar do grande esforço de dissuasão que vem sendo exercido.

Quanto à falta de provas da destruição das toneladas de armas químicas e biológicas, conclui-se que não foram destruídas. O Sr. professor, tendo sido ministro da Defesa, deve lembrar-se que os militares quando destroem armamento, fardamento ou equipamento, elaboram um «auto de destruição» ou um «auto de aniquilamento», com testemunhas. Ora, no referido caso, tendo a destruição sido exigida pela ONU, certamente que esses autos não deixariam de ser elaborados e agora apresentados como prova do cumprimento dessa resolução. Se não foram mostrados, é porque a resolução não foi cumprida e esses materiais letais ou foram distribuídos por «alguém da confiança do tirano», ou andam a passear em camiões secretos pelas estradas do país, ou estão arrumados em caves muito bem disfarçadas.

O adiamento das inspecções resulta no aumento do período em que os inspectores andam à procura daquilo que todos sabemos que não vão conseguir encontrar, para profundo gozo do ditador Saddam e da sua clique.

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