(Publicada no Público em 4 de Fevereiro de 2005)
Vivemos num mundo extremamente complexo em que cada evento é resultado de inúmeros factores, o que torna difícil a sua análise pormenorizada. Por isso, torna-se necessário simplificar ao máximo as explicações, por forma a serem compreensíveis pelas massas. O poder de síntese e de simplificação é uma virtude rara e não se deve poupar esforços para o obter. Perante a afluência às urnas nas eleições no Iraque já se ouvem as opiniões mais extremadas, todas elas acentuando surpresa pela vontade de participação dos iraquianos e dizendo muitos que estas eleições são a derrota do terrorismo. Talvez se trate de optimismo exagerado e talvez fosse mais prudente concluir que as eleições e o terrorismo se enquadram numa mesma lógica, cujo encadeamento poderá ser esquematizado da seguinte forma.
O povo iraquiano estava cansado de aturar Saddam e os seus cúmplices, mas não tinha possibilidade de se organizar para o apear (nem os genros o conseguiram e foram por ele assassinados), devido ao completo controlo de tudo e de todos. Por isso, a chegada dos americanos foi bem recebida a ponto de atingirem as proximidades de Bagdad sem resistência significativa. E mesmo a capital caiu quase de forma inesperada (Merecem ser recordadas as comunicações de «Ali Cómico» à imprensa quando os americanos já controlavam toda a cidade).
A seguir, havia que reestruturar a vida administrativa e foi aí que se verificaram falhas dos ocupantes ao não utilizarem a colaboração de meia dúzia de generais e altos funcionários administrativos locais que facilitariam a transição nas Forças Armadas, nas Forças de segurança e na estrutura civil, evitando rupturas de vultosos custos materiais e humanos nos serviços essenciais, como veio a acontecer. A ocupação tornou-se pesada com perdas humanas e de património de toda a espécie, ofendendo os sentimentos patrióticos de grande parte dos nacionais e levantando a hostilidade de forças que foram braços opressores do tirano. Segundo os patriotas resistentes, havia que tornar a vida difícil aos ocupantes autores de tantas mortes e destruições, aparecendo o terrorismo, sem dúvida, com apoios externos a que não deve ter sido alheia a Al-Qaeda. Compreenderemos esta lógica se recordarmos a resistência portuguesa ao exército napoleónico que nos invadiu por três vezes.
Chegou o momento das eleições que, para os iraquianos em geral, foi a primeira oportunidade de colaborarem nos destinos do seu país e que foi um passo importante para a real independência para a próxima saída dos ocupantes. Daí a expectável corrida às urnas em ambiente festivo, embora alguns grupos isolados mal inseridos na estrutura de comando da resistência tenham levado a cabo actos terroristas.
Com este acto eleitoral, foi dado um salto qualitativo para a vida do Iraque. Mas não se deve embandeirar em arco, porque estão no horizonte várias dificuldades quer no entendimento interno, quer nas pressões vindas dos países vizinhos através de apoios a ambições de grupos religiosos, étnicos e locais. Por esta razão, a ajuda externa através da ONU e de países sem ambições hegemónicas mas com vocação de mediação, é indispensável para apoiar no encontro das melhores soluções, mas sem as impor, por forma a que a democracia comece a desenvolver-se de forma adaptada às tradições e aos valores religiosos e sócio-culturais da população.
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