(Publicada em O Independente em 21 de Outubro de 12005)
A gratidão é um sentimento de indiscutível valor nas relações entre as pessoas e na consolidação de profundas amizades. Porém, na vida social e política, pode revestir-se de aspectos altamente negativos, gerando cumplicidades, conivências, conluios e associações de «malfeitores» com danos para as instituições e a hierarquia de valores.
Uma notícia recente merece reflexão. O CEMGFA, pela sua dedicação ao poder político e pelo culto da obediência incondicional (uma interpretação restrita da lei da condição militar) tornou-se merecedor da nomeação para o cargo. Essa nomeação suscitou nele o dever de gratidão e, na recente crise militar, ficou bem patente quando, aos microfones da TV, não fez qualquer referência à sua compreensão das causas do descontentamento dos militares sob a sua ordem e que dele esperavam a defesa dos seus legítimos interesses, e se limitou a recitar fielmente as palavras que pouco antes tinham sido ditas pelo ministro. Perante tal dedicação, o Governo não ficou insensível e manifestou a sua gratidão reconduzindo-o no cargo depois de ter atingido o limite de idade para passagem à situação de reserva, apesar de isso prejudicar a carreira de outros generais. A partir de agora, o Governo espera a consequente gratidão, isto é, um apoio ainda mais combativo contra as reclamações dos militares que se vêm obrigados aos deveres e restrições de direitos constantes da referida lei, sem lhes ser reconhecida qualquer das compensações da sua condição de sub-cidadania. Isso poderá resultar numa maior reivindicação pela institucionalização do sindicalismo dos militares, já que os seus problemas não são compreendidos e defendidos com eficácia por aqueles de quem isso era eticamente esperado. E como nem uma manifestação pacífica podem fazer, poderão passar a conspirar às escondidas, com lógicos inconvenientes para a coesão das Forças Armadas, o que, sublinha-se, tem sido estimulado pelas atitudes recentes de muitos responsáveis da Instituição e do Governo.
Almirante Gouveia e Melo (I)
Há 16 minutos
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