quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Falar da ética militar sem a conhecer? Não! 030815

(Enviada ao «Diário de Notícias», 15 de Agosto de 2003)

No «Diário de Notícias» de 2003.08.06, Vasco Graça Moura, assina um artigo, em muito bom português, como é seu timbre, mas que parte de pressupostos muito pouco seguros que vêm demonstrar os seus fracos conhecimentos da Instituição Militar.

Começa por se referir a «missão», a «plano ético» e «profissional», a «confiança» e a «subordinação», claro que, sem ter definido o seu entendimento a respeito de tais conceitos. E a forma como os utiliza evidencia bem que não quis dar-se ao trabalho de se documentar lendo os tratados utilizados nas Academias e nos Institutos de Altos Estudos dos Ramos das FA, para a formação dos quadros de oficiais. Se tivesse consultado esses manuais, certamente, teria orientado a argumentação do seu escrito de forma diferente.

A propósito de «missão», teria ficado a saber que ela é considerada sagrada, é o farol que orienta cada passo dos militares. Mas a missão não é imposta arbitrária e caprichosamente pelo comandante. Comandar não é simplesmente mandar, é «mandar com» a vontade, a cooperação, o espírito de sacrifício dos outros, os apoios de fogos, os serviços logísticos, etc. A missão tem que ser exequível, em conformidade com a ameaça que se defronta, com o terreno e com os meios atribuídos. É estabelecida depois de o respectivo estado-maior geral e o estado maior técnico se terem pronunciado através de «estudos de situação» terminados com propostas bem claras, podendo, mesmo assim, ser ajustada após a sua análise pelos comandos subordinados.

Acaso já ouviu falar de «planeamento concorrente»? É uma técnica para abreviar as decisões que evidencia bem a abertura e a interacção entre vários escalões de comando, em que sobressai a necessária confiança mútua (ética e profissional) e espírito de cooperação, deixando de lado aquilo que VGM refere como subordinação (ou submissão!). É que os militares não arriscam a vida para servir pessoas, mas, sim, juraram defender a Pátria até à última gota de sangue. Não defendem interesses pessoais, mas sim os superiores interesses nacionais. E essa ética é a envolvente da obediência, da lealdade, do espírito de sacrifício, da confiança, da camaradagem entre aqueles que estão juntos, lado a lado, no cumprimento da mesma missão.

A confiança, bilateral, é importante. Certamente que os homens de um pelotão não iriam para uma missão com alto risco de perder a vida, sob o comando de um alferes, em quem não tivessem confiança, por falta se sensatez, de equilíbrio emocional, de competência profissional. Por este prisma se compreende que o General Silva Viegas não quisesse continuar a trabalhar com um chefe em quem não confiava. E é uma futilidade gastar tinta a criticar as palavras com que ele se justificou e ignorar as realidades que levaram aquele distinto General a tão difícil decisão.

Referindo o termo «subordinação», citado por VGM, além daquilo que atrás fica dito, recordo que o RDM deixou, há muitos anos, de conter o dever de «obedecer cegamente». Hoje um Exército só pode ser eficiente se cada homem estiver consciente dos factores da sua missão. Na «ordem de operações», antes da missão, é explicada a situação, isto é o cenário em que aquela vai ser cumprida e os condicionamentos de que está rodeada. Assim, quem a recebe, entende-a e assume-a como sua, com vista a um objectivo que o transcende mas com o qual está solidário. A missão não exige subordinação (pode ser cumprida segundo a «modalidade de acção» que for julgada mais adequada), mas sim cooperação a todos os níveis para que se atinja o objectivo e, com isso, se contribua para os interesses nacionais superiormente estabelecidos. Não devemos esquecer que os regulamentos militares não exigem submissão e dão ao subordinado liberdade no cumprimento da missão e o direito de se queixar dos seus superiores quando se sintam alvos de abusos de autoridade ou de injustiças. Actualmente, um militar pode ser responsabilizado pessoalmente, perante o TPI por crimes de guerra ou contra a humanidade, mesmo que seja no cumprimento de uma missão, pelo que deve previamente alertar o seu superior para qualquer ordem que considere indevida.

Enfim, se «de médico e de louco todos temos um pouco», também é certo que muitas pessoas, por terem cumprido o SMO se consideram sabedores, até aos mínimos pormenores, das técnicas, tácticas, organização e estratégia das FA. Mas, quem os manda tocar rabecão?...

Sem comentários: