(Enviada aos jornais em 22 de Abril de 2005)
A China, desde tempos pré-históricos, tem dado mostras de sociedade organizada e vocacionada para o desenvolvimento científico e cultural. Usufruímos de muitos benefícios que foram criados por chineses. Nos tempos mais recentes são notáveis os progressos científicos que lhe permitiram entrar na corrida do espaço, na energia nuclear e na informática, e o seu índice de desenvolvimento tem rondado os 10 por cento em anos consecutivos. Hoje, a sua propensão para grande potência, cria preocupações aos americanos, japoneses e indianos. Interrogo-me se toda essa tendência para o progresso se deve à inclinação para simplificar em vez de complicar, pois é notável, por exemplo, a simplicidade da linguagem, embora a escrita seja ideográfica, em que são inúmeras as palavras e os nomes próprios com menos de quatro letras (Mao Tse Tung, Lin Piao, Li Xau Xi, etc). A simplicidade é uma virtude de espíritos esclarecidos.
Estas reflexões surgiram ao deparar com um caso excêntrico que se coaduna com a propensão dos intelectualóides portugueses de empregarem palavras com a maior extensão gráfica possível, mesmo que, para isso, tenham de acrescentar umas sílabas à palavra original, mais correcta, como é o caso muito frequente de dizer gravoso em vez de grave.
Esse caso inspirador destas palavras foi constituído pela afirmação de uma jovem, pretensamente erudita, mas com pouco vocabulário, deputada, na sessão plenária da AR de 20 de Abril, de que o argumento que rebatia «é completamente estapafúrdio», expressão que repetiu vaidosamente várias vezes. E como o adjectivo de 12 letras não lhe parecesse bastante extenso, fê-lo preceder pelo advérbio de modo de 13 letras que nada acrescenta, sendo abnóxio.
Se a deputada fosse médica ainda tinha a desculpa de estar habituada ao nome das doenças, normalmente longo, por ter de referir os sintomas e o órgão afectado, mas parece não ser o caso. Talvez o facto se devesse à necessidade de compensar a falta de conteúdo do discurso para uma extensão conveniente, com o uso de palavras de «longa duração». Mas «é completamente estapafúrdia» a ideia de procurar força para os argumentos e erudição de orador parlamentar através do uso de palavras pouco utilizadas em tratados de oratória ou de ciências políticas ou jurídicas.
Num juízo rápido, esta excentricidade é uma ostentação abnóxia ou inútil. Seria conveniente que os políticos, ao invés desta jovem deputada, procurassem ser claros e objectivos para merecerem a confiança e os votos dos eleitores. Recordo o meu barbeiro que diz que, sempre que ouve os políticos, lhe apetece fazer um pedido e uma pergunta. O pedido é: «Troque lá isso por miúdos para eu perceber o que está a dizer» e a pergunta é: «O senhor acredita mesmo naquilo que esteve a dizer?». Realmente a virtude está na simplicidade e o exemplo chinês deve ser tomado em consideração.
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