(Enviada à «Grande Reportagem» em 10 de Agosto de 2004)
Em conversa com amigos, sou muitas vezes confrontado com provocações do género que estamos numa monarquia com a única diferença de que o chefe do Estado não é vitalício, mas eleito apenas por cinco anos ou, na prática corrente, por 10 anos. Há a «nobreza» com as suas regalias, mordomias, confortos únicos, as suas imunidades, isto é, irresponsabilidades. E, por outro lado, há o povo que pode usufruir de nada disso e vive afastado das esferas mais ou menos opacas do poder. Cabe a essa aristocracia a capacidade de legislar por forma a manter e a reforçar os seus benefícios.
Acho que essa maneira de ver é muito exagerada, mas tenho dificuldade em encontrar argumentos convincentes quando são referidos casos concretos. E um dos argumentos que utilizo para mostrar que em democracia somos todos iguais em direitos e que os políticos – a tal aristocracia dita democrática – até procuram misturar-se com o povo, visitando aldeias distantes dos grandes centros e até recordo que um político hoje altamente colocado ficou bem conhecido pelas suas visitas a feiras e mercados e pelos beijinhos às vendedeiras.
Obtive como resposta que isso acontece apenas em vésperas de eleições para conquistar votos e que, depois, não voltam lá e ignoram os respectivos problemas e dificuldades; também ninguém os vê nos transportes públicos a não ser num combóio especial, exageradamente guardado por seguranças, quando activam novas carreiras. Mais me respondem com histórias como o caso das cabalas contra políticos do PS, como o caso do dinheiro gasto em carros de luxo por autarquias do PSD, apesar de altamente endividadas, etc.
Fico «transtornado» por não conseguir fazer calar essas pessoas, demonstrando-lhes que estamos numa democracia sem semelhanças com a aristocracia. Mas hoje sinto-me feliz por ter visto nos jornais que os senhores deputados, nossos legais representantes, eleitos por nós em liberdade e feitos à nossa semelhança, vão passar a viajar de avião em classe económica, tal como nós, no assento ao lado do nosso, dormitando com a cabeça apoiada no nosso ombro ou vice-versa.
Esse é um magnífico exemplo de que os nossos políticos não se isolam de nós, não são vaidosos e não receiam a nossa companhia. É um bom exemplo também, porque, sendo Portugal um país pobre, com um PIB per capita reduzido, em que é preciso apertar o cinto, eles não hesitam em dar o exemplo deixando de viajar na classe de luxo e passando a viajar na mais barata ao lado daqueles que, com os impostos originados pelo seu suor contribuem para as suas mordomias. Caso parecido com este só o exemplo dado pelo Primeiro Ministro e pelo Presidente da Guiné Bissau que prescindem de metade do seu ordenado para colaborar na recuperação do país!
Com políticos a tomarem tão generosa decisão, temos razão para nos sentirmos felizes e confiantes no futuro, porque vale a pena sacrificarmo-nos pela Democracia!
Sócrates de novo
Há 1 hora
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