(Publicado em «O Independente», Setembro 2003)
Gostei de saber que a minha carta publicada no PÚBLICO de 22 de Agosto despertou o interesse de José Paulo Castro de V.N. de Foz Côa. É certo que um texto elaborado com ironia, contém informação que pode ser interpretada com diferentes ópticas. A utilizada por este leitor é a óptica do ecologista fundamentalista, extremista, para quem todos aqueles que pensam de modo diferente são «cegos».
Tal epíteto não se me cola, como demonstro com o meu passado de defensor racional da Natureza, tendo tido responsabilidades na estrutura da protecção civil; tive uma intervenção diária, em 1992, no Rádio Clube de Sintra, em que abordava aspectos práticos deste tema (sem qualquer apoio informativo de ecologistas, embora alguns fossem pessoalmente contactados); em Agosto do ano passado, escrevi para os jornais duas cartas a apontar como exemplo a seguir, na prevenção de fogos florestais e defesa da floresta, os casos de Alcains e de Mortágua; neste Verão, escrevi três cartas, em 17/7, 13/8 e 19/8, para os jornais sobre fogos florestais, todas com sugestões positivas para uma reflexão sobre este flagelo que ataca o país. Portanto, não sou um «cego» em questões de ecologia.
Segundo a Bíblia (Génesis, 1:28) Deus criou o Homem e disse-lhe «enchei a terra, e sujeitai-a», isto é, o Homem deve tirar prazer da Natureza e não ser seu escravo. Isto não significa que não deva pensar-se a longo prazo e evitar estragar hoje aquilo de que se necessita amanhã. Por outro lado, Cristo não era a favor do desenvolvimento e do enriquecimento a todo o custo, expulsou os vendilhões do templo (Mateus, 21:12) e disse que «é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha...» ( Marcos10:25).
Está provado que cada acto do Homem é agressivo para a Natureza, desde a respiração até à urina e às fezes, passando por todos os usos das tecnologias que vão surgindo para se alimentar, deslocar, divertir, etc. O autor da referida carta usou papel que é proveniente do abate de árvores, do funcionamento de fábricas de celulose e de papel, ambas muito poluentes e consumidoras de energia, e do transporte para o local de venda. E, apesar de fundamentalistas e não «cegos», os ecologistas colaboram nesses e noutros consumos que directa ou indirectamente agridem a Natureza.
Conclui-se que se todos agíssemos segundo a opinião de tais fanáticos, a humanidade não poderia subsistir, desapareceria, para o planeta ser perfeito. Mas, se, pelo contrário, todos fôssemos «cegos», a terra deixaria de ser habitável, a humanidade acabaria por desaparecer e, no fim... nem planeta nem homem. Logo, devemos acreditar no ditado «no meio é que está a virtude», isto é, nem fundamentalismo ecológico, nem «cegos» desenvolvimentalistas.
E, quanto ao Algarve, embora eu não seja consumidor das praias do Sul, nada tenho contra os cidadãos que, usando a liberdade democrática, ali queiram passar férias. É certo que, como beirão que sou, gostaria que muitos as passassem no interior do país entre Portalegre e Bragança, contribuindo para evitar a desertificação desta região, e para o desenvolvimento e modernização das condições de vida na raia. Porém, não vejo nenhum ecologista hostil ao Algarve a apontar soluções para convencer os cidadãos a escolherem outros destinos, mas imagino-os a atacarem qualquer movimento que pretenda desenvolver o turismo no referido interior, alegando que isso iria desassossegar as águias de Marvão, o lince da Malcata, o lobo de Almeida ou o açor de Miranda do Douro.
Estou convicto de que o fundamentalismo não é bem aceite por pessoas de boa formação, seja o dos cristãos das cruzadas ou da inquisição, seja o da Al-Qaeda, seja o dos ecologistas radicais.
DELITO há dez anos
Há 3 horas
Sem comentários:
Enviar um comentário