(Para a revista «MSG», da Mapfre, 18 de Julho de 2002)
Das notícias que nos chegam, quase diariamente, acerca da sinistralidade rodoviária, podemos concluir que grande parte dos acidentes são provocados por erros cometidos nas ultrapassagens. Estas são culpadas por mortais choques frontais em estradas normais e, até, por muitos despistes e capotamentos em auto-estradas. Nestes, como na maior parte dos acidentes, está em causa a incapacidade do condutor, traduzida quer em falta de uma perfeita preparação, quer em inconsciência, distracção ou irresponsabilidade.
Como os variados cartazes em que a PRP gasta pipas de euros nada explicam aos mais incautos, vou tentar ser claro no alinhamento de algumas reflexões sobre a maneira de fazer ultrapassagens. Apoio-me no muito que li, numa experiência de carta de 1958, sem acidentes e nos resultados da instrução complementar e operacional de quatro dezenas de condutores que fizeram dois anos de guerra em África sem acidentes.
Na auto-estrada
Começo pelas ultrapassagens em auto-estrada, por serem mais simples e, para simplificação, imaginamos que existem duas faixas.
Como manda a prudência e o respeito pelos outros, seguimos pela faixa da direita. Quando deparamos com um carro (não importa se pesado ou ligeiro) em velocidade inferior àquela em que desejamos continuar, temos de decidir ultrapassá-lo. Quando e como? Certificamo-nos de que à frente a estrada está livre e visível (quer em trânsito, quer quanto a nevoeiro, etc.) e, pelos retrovisores, vemos se alguém vem atrás na faixa da esquerda com maior velocidade. Não devemos sair intempestivamente para a faixa esquerda arriscando ser abalroados por outro veículo em maior velocidade. Se tudo estiver livre, a nossa velocidade (e a potência do carro) for superior à do carro a ultrapassar, há que decidir efectuar a manobra, fazendo pisca para a esquerda, acelerar, avisar o carro lento com um ligeiro toque de apito (para ele saber da nossa manobra) e, logo que possível, fazer pisca para a direita e recuperar a faixa da direita deixando espaço suficiente para evitar qualquer toque no ultrapassado.
No caso de a existência de um carro mais rápido na fila da esquerda nos obrigar a retardar um pouco a nossa manobra, perdendo velocidade, haverá conveniência em efectuar uma redução de caixa (passar de 5.ª para 4.ª, por exemplo) afim de obter potência e consequente velocidade para efectuar a manobra com segurança, sem ir «a morrer» na faixa da esquerda ao lado do ultrapassado. Depois de recuperar a faixa da direita, efectua-se a desmultiplicação da caixa.
Em estrada normal
Em estrada normal, esta manobra é mais difícil, principalmente no momento da tomada de decisão. Raramente ela é possível «na passada», exigindo o seguimento atrás do carro lento, durante algum tempo, à espera da melhor oportunidade, para a fazer com segurança.
Quando ultrapassar? Tal como na auto-estrada, é imprescindível ter a certeza de que à frente temos espaço disponível para ultrapassar e retomar a mão. Isso depende da visibilidade da estrada, pelo que não podemos ultrapassar com nevoeiro cerrado ou chuva intensa, nem perto de curvas ou lombas ou cruzamentos ou traços contínuos, nem quando em sentido oposto venha outro veículo a distância tal que nos impeça de ultrapassar em segurança. Em tudo isto, tem grande importância a nossa capacidade de avaliar distâncias, dependente de acuidade visual, capacidade de visão estereoscópica e largueza de campo visual. Avaliado o espaço disponível e tendo em conta a velocidade a que o carro lento circula, e a velocidade que, com a imprescindível redução de caixa, conseguimos impor ao nosso carro, concluiremos se dispomos de tempo suficiente para efectuar a manobra. Depois, tudo se passa tal como atrás referimos para a ultrapassagem em auto-estrada.
Erros frequentes
É frequente vermos condutores indecisos se fazem ou não a ultrapassagem. A indecisão arrasta-se por algum tempo e termina, muitas vezes, já demasiado tarde, perto da curva, da lomba ou do cruzamento, ou do traço contínuo. Nestas condições, nós os que vamos mais atrás e assistimos a esta insensatez, rezamos para que não venha ninguém em sentido contrário a fim de que não haja vítimas inocentes. Além do perigo frontal, há o perigo de despiste e capotamento na curva devido à grande velocidade de aproximação proveniente da ultrapassagem.
Um outro perigo reside na pressa com que algumas vezes se procura retomar a mão, principalmente quando a ultrapassagem foi decidida tarde demais e o espaço começa a faltar ou devido ao aparecimento de um veículo em sentido contrário ou à aproximação perigosa da curva, da lomba, do cruzamento ou do início do traço contínuo. Da viragem precipitada à direita pode ocorrer um toque na parte da frente do carro ultrapassado, com consequências imprevisíveis por, além dos dois, poderem ser afectados muitos outros que sigam atrás nos dois sentidos
Quando houver falta de espaço para ultrapassar com segurança, a única solução sensata consiste em continuar atrás do outro até ao início da recta seguinte, fazer rapidamente a análise das possibilidades de ultrapassar e, caso a manobra seja possível, iniciá-la de imediato.
Por seu lado o carro que vai à frente e que deve, através dos retrovisores, observar a intenção daquele que o segue, deve facilitar-lhe a manobra, encostando bem à direita e reduzindo a velocidade para diminuir o tempo de perigo. Há quem defenda que o da frente deve indicar ao outro que pode ultrapassar, fazendo pisca para a direita. Duvido que este procedimento seja sempre útil. É que, mesmo que essa indicação seja correcta, se o de trás não iniciar logo a ultrapassagem, pode ir fazê-la em perigo. Por outro lado, só aquele que quer ultrapassar é que tem possibilidade de avaliar a potência do seu carro e o espaço de que necessita para ultrapassar. Penso que um tal pisca para a direita, além de poder significar que vai encostar ou virar à direita, deve ser interpretado assim: ele sabe que eu quero ultrapassar e não vai criar-me dificuldades, mas toda a responsabilidade do resultado da manobra é minha e só minha, pelo que tenho de ter muito cuidado. Por outro lado, aquele que der sinal ao que o segue que pode ultrapassar deve sentir-se responsável de, no caso de a ultrapassagem demorar a iniciar-se, indicar que já não deve ser feita, para o que deve mudar o pisca para a esquerda.
Uma reflexão oportuna refere-se a excesso de velocidade, inerente à mentalidade de muitos condutores viciados nas ultrapassagens, que a vêem como uma maneira de afirmarem a sua virilidade. Ora quem produz a velocidade não é a virilidade do condutor, mas o motor do veículo. E não tenhamos dúvidas que, hoje qualquer pequeno carro consegue atingir os cento e muitos quilómetros por hora. A capacidade, a competência do condutor, afirma-se, isso sim, quando faz toda a viagem sem acidentes, quando começa a contar vários milhares de quilómetros sem problemas, isto é quando está perfeitamente consciente dos limites das suas capacidades, das possibilidades do carro e se comporta na estrada em conformidade com as condições da estrada, das condições de visibilidade, com a meteorologia e com o trânsito, e respeitando os direitos dos outros utentes da estrada.
Em toda a viagem, e mais precisamente no momento de uma ultrapassagem, é preciso conduzir com segurança e comodidade para os ocupantes do carro e com economia da mecânica deste.
Sendo a ultrapassagem uma manobra difícil e arriscada, convém que todos os condutores procurem torná-la menos necessária, o que se consegue, circulando à velocidade média a que o trânsito está a fluir. Quem quer ir mais de pressa tem de fazer ultrapassagens, criando situações de perigo para ele e para os outros. Quem teima em circular mais devagar que essa velocidade média, obriga a que os outros o ultrapassem criando iguais situações de perigo, apesar de pensar que está a ser mais prudente do que os outros.
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