(Publicada no «Público» de 27 de Dezembro de 2003)
Notícias recentes evidenciam carências alimentares graves na Coreia do Norte e sugerem que a comunidade internacional tem obrigação humanitária de socorrer as populações necessitadas.
Em princípio, e se ignorássemos outros factores importantes da vida naquele país, desde os altos dirigentes aos cidadãos mais desprotegidos, seria lógico que cada uma das pessoas do mundo se privasse de algo de seu para benefício dos coreanos.
Porém, nem tudo é linear e simples. Trata-se de um país que gasta ostensivamente em mísseis balísticos e outros armamentos que vende seja a quem for, principalmente a grupos terroristas que destroem vidas inocentes e colocam em perigo a paz mundial. Os mísseis recentemente experimentados causam justificadas preocupações aos países vizinhos e às principais potências do mundo.
Por outro lado, este país que se designa República Democrática Popular da Coreia, nada parece ter de democrático nem de popular, antes demonstrando ser uma tirania absoluta em que o dirigente máximo e os seus servidores directos usam e abusam de todas as regalias que lhes passam pela cabeça. Quem se der ao trabalho de ler tudo aquilo que em 2003 foi publicado na Comunicação Social do nosso país, ficará bem elucidado de que aquilo que por lá se passa não é nada salutar.
Perante isto, vale a pena reflectir sobre as posições públicas, quer individuais quer colectivas, ocorridas antes da guerra do Iraque para derrubar Saddam, e a ausência de posições acerca dos excessos do Poder na Coreia do Norte. Não será que todos nós nos deveríamos manifestar a favor de uma distribuição da riqueza mais racional neste país, a favor dos direitos humanos, a favor dos deveres humanitários do Poder e contra os abusos discricionários da má governação? Se o Saddam foi derrubado, não deveria sê-lo também o Kim?
Não defendo uma acção como a ocorrida no Iraque. Há que evitar tal grau de violência, só admissível em casos de extrema gravidade, após esgotados todos os meios menos lesivos da vida de inocentes. Mas, quando se fala de intervenções humanitárias não podemos aceitar e dar cobertura aos referidos excessos do ditador e colaborar com eles, alimentando o povo para que o tirano, liberto desse encargo, continue com a sua megalomania armamentista, ameaçando os povos vizinhos que se têm apresentado como trabalhadores, produtivos, inovadores e conseguindo um apreciável desenvolvimento e bem-estar dos seus povos. Além de que as ajudas alimentares poderão ser mal distribuídas, beneficiando as volumosas forças armadas e deixando à míngua os mais desprotegidos. A acção tendente a melhorar a vida na Coreia do Norte pode muito bem ser semelhante àquela que levou Khadafi a integrar-se na Comunidade Internacional, desistindo do fabrico de armas de destruição maciça e de apoiar grupos terroristas.
A Decisão do TEDH (398)
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