Perante as notícias e as imagens da tragédia provocada pela pluviosidade excessiva da Madeira, mais acentuada no Funchal, surgiram comentários extremados: ou apenas olhando para os estragos de vidas e haveres ou colocando a tónica nos cuidados preventivos considerados insuficientes. Mas, como «no meio é que está a virtude», parece que o mais importante para a vida real é retirar conclusões, lições, a aplicar na prevenção.
Neste caso, além do falado radar que permita prever a chegada do mau tempo, há que ter presente que a ameaça é a Natureza, não se podendo evitar uma nova bátega de água de volume igual ou mesmo superior. Também não há forma eficaz de parar a torrente ou de lhe condicionar o avanço porque este, tratando-se de tantas toneladas de água e de detritos e destroços por ela arrastados, é imparável.
Logo, parece lógico que o que há a fazer é ter o seu caminho natural – a linha de água – facilitado, desimpedido, liberto de obstáculos para poder ser utilizado pelo «dilúvio». Deve ter-se presente que o chamado «leito de cheia» deve estar desobstruído, não devendo ter nada que dificulte o avanço da torrente a fim de esta não ter de procurar outra via, à força, com os estragos inerentes. Mas, infelizmente, os empreiteiros, apoiados pelos técnicos das Câmaras, não podem ver um palmo de terra sem ambicionar retirar dele o máximo de rendimento ou de lucro.
Esta lição deve ser aprendida e praticada em todo o lado. Não faltam situações de perigo nas nossas aldeias, vilas e cidades, principalmente onde o terreno é mais acidentado.
Por exemplo, em Cascais, nos fins da década de sessenta, houve um caso grave que não foi devidamente assimilado e aplicado na prevenção de casos futuros. Em termos de «Protecção Civil» é normal aceitar que tudo o que pode acontecer virá a acontecer, embora em data imprevisível.
A vila de Cascais é atravessada pela Ribeira das Vinhas que em tempos foi feita passar em túnel desde um pouco a montante do mercado até ao mar, na baía, junto ao Palácio Seixas. Durante essa chuva intensa em 1968 (se não me engano), ou porque o túnel não tivesse a dimensão conveniente ou porque os destroços arrastados pela água tivessem entupido a boca, a água cumpriu o seu destino, começando a formar uma albufeira e depois avançou pela superfície destruindo tudo o que lhe dificultava a progressão. Pisos dos arruamentos e andares mais baixos sentiram os seus efeitos devastadores.
E o resultado? O mesmo túnel ali continua para criar uma tragédia semelhante ou pior. Houve a ideia brilhante de restabelecer a Ribeira a céu-aberto, com largura e profundidade adequadas e pontes elevadas para suportarem enchentes, sem dificultar a passagem da água. Mas não passou de ideia e, entretanto, a Câmara investiu no edifício da biblioteca em pleno leito de cheia e os edifícios de construção recente do BCP e de outras empresas estão inconscientemente a barrar a linha de água.
Mas a vulgaridade das pessoas e de alguns funcionários camarários desconhecem «o que é uma linha de água», «o que é o leito de cheia».
Há alguns anos, durante grandes chuvas, numa região do Norte, havia um café mesmo em cima de uma linha de água, a que ninguém dava atenção porque nunca ali viam água. Com as chuvas a água tinha que passar por ali, esbarrou na parece da casa, foi enchendo e, quando a pressão foi suficientemente forte, derrubou a parece e varreu tudo o que estava dentro do café, tirando a vida aos clientes que lá estavam calmamente a beber a cerveja.
Há erros que a Natureza não perdoa e que bem podiam ser evitados.
DELITO há dez anos
Há 1 hora
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