Transcrição de três artigos curtos que se completam:
A vítima do Freeport
Correio da Manhã. 31-07-2010. Por: Armando Esteves Pereira, Director-Adjunto
A credibilidade do Ministério Público acabou por ser a maior vítima deste processo de investigação do Freeport.
Os estrangulamentos da Justiça não são novidade, nem as dificuldades em apanhar e punir os crimes de ‘colarinho branco’. Mas a triste novela do Freeport, especialmente as falhas e omissões, leva os cidadãos a duvidar da eficácia da instituição liderada por Pinto Monteiro e a gestão de Cândida Almeida no DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal). Aliás, o outro processo com interesse mediático da responsabilidade deste departamento, o ‘Furacão’, não passou de uma suave brisa, que teve apenas eficácia na receita fiscal. Mas as bagatelas fiscais, por muitos milhões de euros que rendam, não podem ser o mais importante resultado de um departamento de elite do Ministério Público.
É evidente que, nos grandes casos de corrupção, a investigação é, por vezes, limitada por leis inócuas e pela sofisticação dos crimes. Mas o DCIAP tem a obrigação de produzir melhores resultados, sob pena de os cidadãos pensarem que, no acrónimo, o A de DCIAP significa Arquivamento em vez de Acção.
Ontem, o PGR esclareceu que não há motivo para que a investigação ao Freeport seja reaberta. Mas o País agradecia que fosse feita uma verdadeira investigação à investigação do caso. E com consequências.
A verdadeira crise
Jornal de Notícias. 31-07-2010. Por Paulo Baldaia
Este pobre país vai-se enterrando cada vez mais no lamaçal da justiça e não se vislumbra alguém que possa dar por encerrado este triste espectáculo. Vivemos numa república de investigadores incompetentes e juízes que fazem o que querem. Gente que manda na classe política que elegemos para nos representar a todos, mas que nada fazem para nos garantir uma Democracia séria porque têm medo dos procuradores e dos juízes.
Nem vale a pena perder muito tempo com a novela Freeport que, seis anos depois de começar, pariu dois ratos, dois ratitos. A investigação foi tão bem feita que eles perderam o rasto a milhões, mas conseguiram inventar o foguetório de que queriam ouvir o primeiro-ministro, mas não tiveram tempo. Balelas. Tretas para disfarçar uma investigação que deu em nada.
O sindicato aproveita e atira-se ao procurador-geral da República, insinuando que as coisas são o que são por causa dele. E Pinto Monteiro sem conseguir transmitir o mínimo de confiança na justiça.
Na mesma semana em que a leitura da sentença da Casa Pia voltou a ser adiada. Os anos passam, as crianças vítimas são adultos com vida feita e a justiça perde-se em questões processuais.
A verdadeira crise não é económico-financeira, é uma crise grave na justiça e isso exige do poder político, aquele em quem votamos para gerir o país em nosso nome, uma tomada de posição firme. Os agentes da justiça - investigadores e juízes - não são donos do sector, são trabalhadores a quem pagamos para fazerem um bom trabalho e eles não o estão a fazer.
O País dos anjos
Correio da Manhã. 31-07-2010. Por: José Eduardo Moniz
O caso Freeport vai ficar para a História como um exemplo do descrédito em que caiu a Justiça em Portugal.
Querem fazer-nos crer que nada se passou e tudo se resume, afinal, a crimes de tentativa de extorsão e fraude fiscal por parte de dois dos intervenientes no processo. A sensação é a de que ficou quase tudo por apurar e que à volta do primeiro--ministro se ergueu uma teia protectora que o impermeabiliza a tudo.
Por que razão o cidadão José Sócrates não foi ouvido pelo MP e as suas contas objecto de perícias financeiras, como proposto pela PJ de Setúbal? Que circunstâncias ponderosas impediram os magistrados de confrontar Sócrates com as 27 perguntas que constam do documento final como sendo importante fazer-lhe? Ninguém percebe.
Defendem-se os magistrados com um despacho do vice-procurador (por sinal, um que até já deveria ter terminado funções por limite de idade mas que se mantém mercê de um decreto-lei repleto de oportunidade) a impor o dia 25 de Julho como data-limite para a conclusão do processo.
Não é aceitável nem admissível tanto atraso, demora, inoperância e inabilidade para seguir o rasto do dinheiro. Tudo é estranho neste dossier e soa a gigantesca protecção a um político, mesmo que, porventura, assim não seja. A verdade é que, se alguém queria pôr fim às suspeitas sobre Sócrates, acabou, tacanhamente, por deixá-lo ficar para sempre acompanhado por elas, como se fossem lapas.
Quando não há transparência é o que acontece. Ainda bem que o procurador João Palma, do Sindicato, voltou, desassombradamente, a lembrar que sempre manifestou reservas sobre a gestão e coordenação do DCIAP e não se coibiu de classificar o actual momento como "o de maior crise de sempre" para o Ministério Público. Lá se vai a tese dos que querem vender-nos a ideia de Portugal como o País dos anjos...
Imagem da Net
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