sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Embraiagem partida

Vou relatar uma conversa com o amigo António (já há muito que não trazia aqui notícias das nossas conversas) porque pode ser útil a alguém que se sinta em tal situação.

No restaurante onde tinha almoçado, um dos clientes contava ao seu companheiro de mesa que a filha tinha ficado com o carro parado no IC 16 porque o cabo da embraiagem se partira e não conseguia fazer as mudanças. E quando quis ir colocar o triângulo foi-lhe difícil abrir a porta porque os carros passavam tão velozes e próximos que teve medo de ficar sem porta e ser atropelada.

Quando encontrei o Amigo António, de quem já aqui falei, disse-lhe o que ouvi e ele relatou a situação em que se viu metido no mato em Angola, em situação de guerra, com uma avaria semelhante. Vou tentar reproduzir o que me disse.

A sua companhia, em meados de 1963, estava instalada em condições precárias junto a uma picada paralela à fronteira Norte, de que distava cerca de 40 quilómetros. A área da unidade poderia ser utilizada para passagem do exterior para as matas mais a sul de grup+os rebeldes com armamentos, munições e outros materiais. Havia grupos de militares a patrulhar a área ou no reabastecimento de água ou na obtenção de lenha ou reabastecimento e fins administrativos à sede do Batalhão a 30 quilómetros dali.

Um dia ia integrado da equipa de menos de dez homens que ia à lenha, deslocando-se num Mercedes Unimog. A distância era de pouco mais de meia dúzia de quilómetros ao longo da picada onde havia troncos secos ainda de pé originados por queimadas de vários anos antes. O veículo estacionou fora da picada num terreno plano e limpo, uns homens ficaram vigilantes zelando pela segurança, embora o perigo não fosse grande nem muito provável, enquanto os outros cortavam a lenha e carregavam a caixa de carga.

Carregado o veículo com cerca de duas toneladas de lenha, quando todos se preparavam para partir, o condutor disse que a embraiagem não funcionava, estava em baixo sem permitir desembraiar para poder fazer as mudanças. E confessou que assim não conseguia nada, nem sabia o que fazer.

Problema grave. Não havia qualquer maneira de comunicar com o aquartelamento a não ser, por estafeta. Mas dividir aquele pequeno grupo em dois, seria loucura, porque qualquer deles ficaria de tal maneira frágil que seria dizimado por qualquer grupo rebelde, mesmo que pouco numeroso.

O António contou isto emocionado e disse que procurou recordar-se do que aprendeu na cadeira de motores, sobre o funcionamento da embraiagem que serve para permitir que as duas rodas dentadas da caixa de velocidades que têm que engrenar obtenham uma velocidade idêntica.

Arriscou tentar suprir a incapacidade do condutor para levar o carro ao destino, mandou subir o pessoal para cima da lenha que primeiro mandou arrumar por forma a que o esticão do arranque, que podia ser forte, não ferisse ninguém. Sentou-se ao volante, perante o condutor e os outros que olhavam incrédulos, boquiabertos e receosos, engatou em primeira e, depois, tentou pôr o motor a funcionar. Foi uma surpresa agradável, feliz quando o carro começou a avançar, com alguns soluços de início, mas depressa adquiriu velocidade, em primeira.

Mas ir em primeira toda a distância seria a destruição do motor e, tomou outra iniciativa, baseado na técnica antiga usada na «mudança com dupla» em que se procurava, com a aceleração do motor, tornar mais próximas as velocidades dos carretos a engrenar na caixa. E com mais ou menos aceleração e um puxão seco da manete de velocidades conseguiu, passar todas as velocidades, para cima e para baixo, sem arranhar, até ao aquartelamento.

O António conta com emoção que foi um caso muito feliz, mas que não esperava que conseguisse fazer aquilo com tanto sucesso. Nunca o tinha feito nem ouvira alguém dizer que o tivesse tentado fazer.

E assim, com estes desabafos de gente com experiência, vamos aprendendo truques de sobrevivência que nos poderão ser úteis em situações difíceis.

Imagem da Net.

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