Transcrição de entrevista seguida de NOTA:
Ministro das Finanças da Estónia: "A zona euro não será estável sem reforçar a disciplina orçamental"
Público. 16.08.2010. Por Ana Rita Faria
Finanças públicas da antiga república soviética estão entre as mais sólidas da Europa.
Mesmo a braços com uma recessão galopante, a Estónia manteve uma apertada política orçamental e conseguiu garantir a sua presença na zona euro, a partir de Janeiro, tornando-se o seu 17.º membro.
Em entrevista ao PÚBLICO por telefone, o ministro das Finanças, Jürgen Ligi, refere os sacrifícios para garantir a adesão à moeda única.
Como é que a Estónia vê a entrada na moeda única numa altura em que a estabilidade da zona euro foi ameaçada?
Os problemas da Grécia e da zona euro em geral iriam afectar-nos de qualquer maneira, quer estivéssemos dentro da moeda única ou fora. Já tínhamos a nossa moeda vinculada ao euro, a maioria dos empréstimos são feitos em euros e o nosso comércio é em euros. É como se estivéssemos dentro da zona euro. Até a nossa política orçamental tem sido norteada por isso. Mesmo durante a crise financeira de 2008/2009, que fez a economia da Estónia recuar 14 por cento só no ano passado, não ultrapassámos o limite do défice definido por Bruxelas. E o peso da nossa dívida pública face ao Produto Interno Bruto (PIB) é cada vez mais pequeno.
Enquanto outros países lançavam estímulos à economia para recuperar mais rapidamente da crise, a Estónia manteve esse compromisso com o controlo das finanças públicas. Até que ponto a vontade de entrar no euro obrigou a esses sacrifícios?
Não fizemos nada de especial tendo em vista a entrar no euro. A consolidação orçamental é a responsabilidade primeira de um governo numa crise. Um governo não pode gastar além das suas possibilidades. Não consigo entender essas ideias de estimular a economia num país pequeno como a Estónia. Quando rebentou a crise, estávamos à beira da falência. Perdemos muito investimento estrangeiro e a falta de confiança dos mercados travava-nos o financiamento. Precisávamos de consolidar as finanças públicas mais do que qualquer outro país e, por isso, cortámos nas despesas e aumentámos impostos, o mesmo que a Europa está agora a fazer.
A Polónia decidiu em Maio adiar a sua entrada na zona euro, considerando que não é uma prioridade devido à instabilidade provocada pela Grécia. O que fez a Estónia seguir em frente?
Não tivemos hesitações em aderir, mas apenas hesitações sobre se o podíamos fazer. Os países que, como a Polónia, estão a hesitar em entrar no euro é porque não estão tão certos da sua situação económica e das contas públicas.
A Estónia teve de obedecer a requisitos especiais no processo de adesão ao euro?
Não. Tivemos de cumprir os cinco critérios de convergência que foram pedidos aos outros países que já entraram no euro. O mais difícil foi controlar a inflação, sobretudo numa situação de grande crescimento como a que tivemos antes da crise.
Quando a Estónia teve luz verde para entrar no euro, o BCE alertou que poderiam ter dificuldades em manter a inflação sobre controlo...
É normal o BCE dizer isso a qualquer país que se prepara para entrar na zona euro. Expressa uma preocupação. Contudo, no curto prazo, não me parece ser uma ameaça real, pois o que dita a inflação é o aumento da procura interna e externa, mas a primeira permanece bastante em baixo.
Quais são as principais vantagens da Estónia em aderir ao euro?
Em primeiro lugar, a confiança. Os mercados nunca confiaram na nossa moeda, apesar de a Estónia sempre ter tido uma política orçamental conservadora. Além disso, passámos a ter oportunidade de participar na tomada de decisões. E, claro, iremos atrair mais investimento, mais crescimento e conseguir custos de financiamento mais baixos, para os sectores público e privado.
Sendo a vossa economia muito orientada para as exportações, não poderá vir a ter problemas se a zona euro permanecer instável e os vizinhos do Leste continuarem fora da moeda única?
Os problemas da zona euro já nos afectariam de qualquer maneira e, quanto aos Estados bálticos (Letónia e Lituânia), não têm o domínio sobre o nosso sector exportador. Têm, contudo, um problema de instabilidade das moedas, pelo que, eventualmente, teremos de reorientar alguns negócios com os Estados vizinhos para outros países dentro da zona euro.
Na sequência da crise, a zona euro parece disposta a criar mais mecanismos supranacionais de controlo das contas públicas. Como é que a Estónia vê esta orientação?
Eu diria que estamos à frente nessa matéria. Acho que a zona euro não será estável sem mais disciplina orçamental. A crise mostrou que, se os países não conseguem gerir a sua própria política orçamental de modo mais conservador, tem de haver uma coordenação supranacional. Há países que gastam dois ou três orçamentos de uma vez e que têm mais de 100 por cento de dívida face ao PIB. Não podemos estar optimistas em relação ao futuro num quadro destes.
A Estónia está a sair de uma recessão que gerou um nível bastante elevado de desemprego. Como é que tencionam resolver a vossa situação económica?
É o investimento das empresas que o resolve. Em 2008, a nossa taxa de desemprego estava nos 4 por cento, e no primeiro trimestre deste ano chegava aos 19 por cento. A razão do aumento foi a explosão da bolha do mercado imobiliário e do crédito. Mas o optimismo e a confiança estão a voltar. Esperamos que a nossa economia cresça um por cento este ano mas, para 2011, a previsão é de 4 por cento. A entrada no euro pode estimular o crescimento, mas não esperamos nenhum impulso rápido.
NOTA: Uma boa lição aos países mediterrânicos, em que se esbanjam os recursos «a haver», com um inconsciente e irresponsável sebastianismo, à espera de milagres.
Imagem da Net.
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