quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Pobreza e fome visível nas escolas


Têm aparecido notícias de apoios municipais a alunos pobres, do género de abrir as cantinas durante as férias para dar almoço aos que o não podem comer em casa. São medidas louváveis mas destinam-se a remediar um dos sintomas das carências que afectam grande parte da população, eleitora, contribuinte, consumidora, cliente, que está a ser o foco que concentra os grandes sacrifícios da «austeridade» de que os ricos e poderosos nada sentem, pois continuam na sua ostentação e arrogância habitual.



Sobre o tema saliento, por serem mais recentes as notícias Inspecção aponta resultados fracos em 45% das escolasMais constrangimentos do que oportunidades de melhoria e Consumo privado entra em queda em Novembro. Estes links permitem abris as respectivas notícias. Mas além disto, recebi por e-mail de uma professora um texto seu e outro de um colega que evidenciam as dificuldades que existem nas famílias mais desfavorecidas e que os políticos se esforçam por ignorar, ocultando-a na sombra de números e estatísticas. Conviria que os eleitos e os responsáveis pelos diversos sectores não se esquecessem de que em primeiro lugar devem estar as pessoas para as quais os números poderão ser uma ferramenta de apoio de menor importância e não como habitualmente fazem de dar prioridade aos números e, para eles serem o que desejam, sacrificarem as pessoas sem o mínimo escrúpulo ou moral.

Vejamos as opiniões de dois professores:

O Diário do Professor Arnaldo – A fome nas escolas
Publicado em 19 de Novembro de 2010 por Arnaldo Antunes

Ontem, uma mãe lavada em lágrimas veio ter comigo à porta da escola. Que não tinha um tostão em casa, ela e o marido estão desempregados e, até ao fim do mês, tem 2 litros de leite e meia dúzia de batatas para dar aos dois filhos.

Acontece que o mais velho é meu aluno. Anda no 7.º ano, tem 12 anos mas, pela estrutura física, dir-se-ia que não tem mais de 10. Como é óbvio, fiquei chocado. Ainda lhe disse que não sou o Director de Turma do miúdo e que não podia fazer nada, a não ser alertar quem de direito, mas ela também não queria nada a não ser desabafar.

De vez em quando, dão-lhe dois ou três pães na padaria lá da beira, que ela distribui conforme pode para que os miúdos não vão de estômago vazio para a escola. Quando está completamente desesperada, como nos últimos dias, ganha coragem e recorre à instituição daqui da vila – oferecem refeições quentes aos mais necessitados. De resto, não conta a ninguém a situação em que vive, nem mesmo aos vizinhos, porque tem vergonha. Se existe pobreza envergonhada, aqui está ela em toda a sua plenitude.

Sabe que pode contar com a escola. Os miúdos têm ambos Escalão A, porque o desemprego já se prolonga há mais de um ano (quem quer duas pessoas com 45 anos de idade e habilitações ao nível da 4ª classe?). Dão-lhes o pequeno-almoço na escola e dão-lhes o almoço e o lanche.

O pior é à noite e sobretudo ao fim-de-semana. Quantas vezes aquelas duas crianças foram para a cama com meio copo de leite no estômago, misturado com o sal das suas lágrimas…

Sem saber o que dizer, segureia-a pela mão e meti-lhe 10 euros no bolso. Começou por recusar, mas aceitou emocionada. Despediu-se a chorar, dizendo que tinha vindo ter comigo apenas por causa da mensagem que eu enviara na caderneta.

Onde eu dizia, de forma dura, que «o seu educando não está minimamente concentrado nas aulas e, não raras vezes, deita a cabeça no tampo da mesma como se estivesse a dormir».

Aí, já não respondi. Senti-me culpado. Muito culpado por nunca ter reparado nesta situação dramática. Mas com 8 turmas e quase 200 alunos, como podia ter reparado?

É este o Portugal de sucesso dos nossos governantes. É este o Portugal dos nossos filhos.

Um caso real relatado por Maria João F

Hoje uma funcionária da minha escola, já de alguma idade, estava a limpar o chão da sala para onde eu ia passar a manhã com os meus alunos de um 10º ano/Curso Profissional e veio perguntar-me como vai o neto, meu aluno dessa turma.

Respondi que no início do ano trabalhava muito mais e que ultimamente não prestava atenção nas aulas e , até, tinha adormecido em duas delas pelo que lhe tinha chamado a atenção. É um rapaz correcto, pediu desculpa, pensei que tivesse andado na borga...

Hoje soube pela senhora que é o mais velho de 3 irmãos (tem 16 anos e os irmãozitos 5 e 2, do 2º casamento da mãe, uma jovem mulher de 35 anos, que vive sozinha com os filhos, abandonada de novo). A mãe do meu aluno anda todos os dias 5 km a pé para ir para o emprego e 5 km de volta a casa, é ele que recolhe os irmãos pequenos do infantário onde estão, chega mais cedo que a mãe. Almoçam mas muitas vezes não jantam e a mãe, sobretudo, não janta quase nunca para deixar para os filhos o pouco que há. Foram-lhes retirados apoios a nível de abonos de família e mais não sei o quê , confesso que já não conseguia ter atenção ao que a senhora me dizia - vou falar com ela um destes dias (amanhã já ou no outro).

Com os alunos fiz o planeado : projectei-lhes o filme "Stand and Deliver", baseado na história verídica do Professor Jaime Escalante, professor de matemática na John Garfield School em East L.A. Queria ver se os incentivava. Afinal, as condições de vida daqueles jovens não eram muito diferentes das dos meus alunos no presente, neste Portugal onde a miséria ronda muitas casas e onde professores, também eles, vivem pobrezas envergonhadas.

Jaime escalante faleceu este ano.

A Sala de Matemática do Museu da Ciência de Los Angeles tem o nome dele.

Não sei se adianta muito a partilha destas histórias que são mais que isso: são factos Históricos. O Portugal de hoje é um país miserável, a muitos níveis.

Há responsáveis e têm nomes.

Desde logo, o actual PR - recuemos à década de 80 e analisemo-la.

Continuemos com este PM que, pela 1ª vez, considero um caso clínico. Pensei durante este tempo todo que simplesmente andava a gozar connosco mas com o seu último discurso sobre a pobreza e o seu jeito de catequista (fui educada num colégio católico, conheço os truques todos, o paleio, os trejeitos; gramei muitas "ultreias" no Estoril - não me apetece explicar o que isto é ) começo a pensar que o homem é doido - mas não inimputável. Falo apenas do PM porque é ele o responsável pelos outros membros do (des)governo. Com os do PSD só alguém tão insensato como o PM, poderá contar para melhorar o que quer que seja: lembrem de novo o PR e, por exemplo, Durão Barroso.

Não vale a pena falar de mais nada nem ninguém. Este polvo não é um octópode, é um "alien" de um gugol de tentáculos. Que podemos fazer para os cortar, um a um ? Não sei.

Só sei que um dos meus alunos dorme nas aulas com fome e cansaço. E será que muitos não estão agitados também com fome e cansaço ? Há consumos de drogas, há álcool, há muitos á deriva. Os Cursos Profissionais são uma fraude, estou lá, estou metida nessa fraude.

A única coisa que posso é levantar a voz e dar a conhecer na escola este - e outros casos - e dar-vos este meu relato que junto ao recebido.

Há muitos, muitos anos, no meu 4º ano de ensino (1980), fui colocada na Escola Secundária de Santa Maria, em Sintra. Esta tinha, na altura, uma secção para o Ensino Básico ( 7º/9º ano) que apanhava os miúdos da Várzea de Sintra que se estendia até Fontanelas, Assafora, etc. e eu tinha turmas de 7º e 8º. Um dia falei grosso a um miúdo que sistematicamente não trazia feitos os trabalhos de casa. Ele olhou-me de alto e disse-me calmamente "Tenho 4 irmãos e o meu pai morreu. Sou o mais velho e, para ajudar a minha mãe, trabalho como ajudante de padeiro. Quando saio da escola durmo um bocado, levanto-me pela meia noite, vou trabalhar e venho directamente para a escola. Não tenho tempo de fazer os trabalhos de casa".

Pensei que não me tinha esquecido disto, mas, afinal, tinha. Se não tivesse, não teria feito juízos imbecis sobre um aluno que dormiu nas minhas aulas e diminuiu o rendimento escolar.

Estou triste. Sei que não posso ficar parada e triste: não leva a lado nenhum. Que fazer ? Aceito todas as sugestões que puderem dar-me.

Entretanto, porque não publicar as mil e uma histórias que cada um de nós, professores, encontra no seu quotidiano (tantas vezes constituído por péssimas refeições ao longo do dia mas que, ao menos, ainda temos em casa comida para o jantar ) ?
Maria João

Profª de Matemática, no corrente ano a leccionar uma turma de 10º - Matemática A e duas de 10º - Cursos Profissionais ( de Gestão e Informática de Gesão). Bastantes alunos destas últimas turmas têm dificuldade em ler e escrever, um deles tem dificuldade em escrever o seu apelido. Urge acabar com a FRAUDE e dar efectivamente a mão a estes jovens não para as fraudulentas estatísticas de "sucesso" mas para lhes darmos os meios de vierem a ser Cidadãos Livres.
Ou alguém deseja voltar às práticas do "vamos brincar à caridadezinha" (podem encontrar música e letra da canção... a net tem muitas vantagens...) ? Vamos dar esmolinhas ? NÃO ! Vamos exigir para nós e para os nossos concidadãos a Dignidade a que temos direito.
Escola Secundária Padre Alberto Neto, Queluz

Imagem da Net

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