"Entre mundos"
Jornal de Notícias. 03-04-2010. Por Rui Moreira
A propósito da minha crónica sobre o "bullying", recebi a mensagem de uma professora que dizia que "se a maioria das pessoas frequentasse as escolas onde há problemas sócio-económicos ficava aterrorizada."
Os problemas são tantos, que só criando um certo alheamento, se consegue manter a capacidade de continuar a trabalhar" e concluía, concordando embora com o meu diagnóstico, dizendo que incorri "numa ideia hoje vulgarizada, que atribui à escola o papel de educadora e formadora, deixando a família isenta de qualquer responsabilidade na transmissão de valores. Ora, se há algumas famílias que os não podem transmitir porque a vida não lhes permitiu desenvolvê-los, outras há que o não fazem por laxismo, desinteresse ou simplesmente porque a sua atenção está concentrada noutros aspectos mais prosaicos."
Ainda que na crónica atribuísse responsabilidade a todos nós pelos problemas que ocorrem na escola, é possível que não tenha deixado bem esclarecida a minha posição que, no essencial, coincide com a desta professora. Dizia há quinze dias que "a sociedade do futuro depende, em grande parte, dos valores que a escola transmite aos alunos", mas não é menos verdade que a escola do presente está condicionada pela sociedade em que se integra e, conhecendo relativamente bem algumas escolas públicas ditas problemáticas, sei como a tarefa dos professores é titânica, e muitas vezes mal compreendida e mal aceite por parte dos pais.
É difícil ensinar e motivar crianças mal alimentadas, desatentas, vítimas ou testemunhas de casos de violência doméstica e que vivem no meio de dramas sociais e familiares diários. E é tanto ou mais difícil transmitir-lhes valores essenciais de sociabilidade e de disciplina quanto é certo que não cabe à escola, mas a outras entidades, e à sociedade em geral, proteger estas crianças contra esses ambientes inseguros e degradantes, o que nem sempre faz eficazmente, ou a tempo.
É indispensável que a escola seja para estas crianças um local de paz e de ordem, um refúgio fiável, onde encontram protecção, mas onde têm, também, de respeitar e cumprir regras de disciplina, de respeito e de sã convivência. A escola deve ser capaz de as resguardar da violência do mundo onde são criadas, e de lhes transmitir os ensinamentos que as podem vir a libertar da miséria social e moral em que vivem, cortando assim o círculo da exclusão social a que, de outro modo, estarão condenadas.
Hanna Arendt dizia que a escola constitui um "mundo entre mundos", a quem cabe transmitir o saber e preparar a criança para transitar do "seu" mundo privado, muitas vezes social e economicamente adverso, para o mundo dos adultos e para uma sociedade de gente que se quer responsável e com valores de respeito e de cidadania. Neste sentido, a escola deve ser "fechada", evitando estabelecer pontes em excesso com o mundo exterior que permitam a reprodução dentro dela de modelos de violência e de falta de regras, tendo ao mesmo tempo que transcender as suas atribuições tradicionais para, sem se sobrepor aos pais e às famílias a quem cabe naturalmente a tarefa de educar e formar, criar condições para o exercício das funções que lhe são próprias, assegurando uma mudança no quadro de valores destas crianças que lhes permita integrar o mundo colectivo. O que supõe, naturalmente, que também esteja atenta e seja capaz de dar o grito de alerta quando uma dessas crianças está em risco, porque isso faz parte do cuidado que elas merecem, e porque só assim, como também diz Arendt, poderão vir a ter, um dia, condições para "mudar o mundo".
NOTA: Há dias, foi-me chamada a atenção por um colega bloguista que discorda das críticas avulsas e pouco rigorosas, preferindo as que abordam toda a dimensão do tema, incidindo nas suas causas determinantes porque é nelas que devem incidir as medidas terapêuticas para revitalizar a sociedade nacional. Compreendo a sua ideia e espero que surja um pensador, com saber teórico e bem informado das realidades, que elabore um estudo com tal dimensão (largueza e profundidade).
Mas penso que essa análise de diagnóstico com vista a posterior terapêutica só será eficaz se, entretanto, a população for incentivada à procura de dados parcelares sobre as realidades, a meditar naquilo que lhe é possível conhecer, a raciocinar livre de pressões interesseiras, vendo as diversas faces do poliedro e, dessa forma, ter opinião própria, poder confrontá-la com outras e poder um dia compreender a teoria de tal filósofo.
Nestas condições, não hesito em fazer transcrições de textos em que encontro dados que merecem ser tidos em consideração nas reflexões sobre os diversos temas, estando ou não em concordância total ou parcial com eles.
Ainda que na crónica atribuísse responsabilidade a todos nós pelos problemas que ocorrem na escola, é possível que não tenha deixado bem esclarecida a minha posição que, no essencial, coincide com a desta professora. Dizia há quinze dias que "a sociedade do futuro depende, em grande parte, dos valores que a escola transmite aos alunos", mas não é menos verdade que a escola do presente está condicionada pela sociedade em que se integra e, conhecendo relativamente bem algumas escolas públicas ditas problemáticas, sei como a tarefa dos professores é titânica, e muitas vezes mal compreendida e mal aceite por parte dos pais.
É difícil ensinar e motivar crianças mal alimentadas, desatentas, vítimas ou testemunhas de casos de violência doméstica e que vivem no meio de dramas sociais e familiares diários. E é tanto ou mais difícil transmitir-lhes valores essenciais de sociabilidade e de disciplina quanto é certo que não cabe à escola, mas a outras entidades, e à sociedade em geral, proteger estas crianças contra esses ambientes inseguros e degradantes, o que nem sempre faz eficazmente, ou a tempo.
É indispensável que a escola seja para estas crianças um local de paz e de ordem, um refúgio fiável, onde encontram protecção, mas onde têm, também, de respeitar e cumprir regras de disciplina, de respeito e de sã convivência. A escola deve ser capaz de as resguardar da violência do mundo onde são criadas, e de lhes transmitir os ensinamentos que as podem vir a libertar da miséria social e moral em que vivem, cortando assim o círculo da exclusão social a que, de outro modo, estarão condenadas.
Hanna Arendt dizia que a escola constitui um "mundo entre mundos", a quem cabe transmitir o saber e preparar a criança para transitar do "seu" mundo privado, muitas vezes social e economicamente adverso, para o mundo dos adultos e para uma sociedade de gente que se quer responsável e com valores de respeito e de cidadania. Neste sentido, a escola deve ser "fechada", evitando estabelecer pontes em excesso com o mundo exterior que permitam a reprodução dentro dela de modelos de violência e de falta de regras, tendo ao mesmo tempo que transcender as suas atribuições tradicionais para, sem se sobrepor aos pais e às famílias a quem cabe naturalmente a tarefa de educar e formar, criar condições para o exercício das funções que lhe são próprias, assegurando uma mudança no quadro de valores destas crianças que lhes permita integrar o mundo colectivo. O que supõe, naturalmente, que também esteja atenta e seja capaz de dar o grito de alerta quando uma dessas crianças está em risco, porque isso faz parte do cuidado que elas merecem, e porque só assim, como também diz Arendt, poderão vir a ter, um dia, condições para "mudar o mundo".
NOTA: Há dias, foi-me chamada a atenção por um colega bloguista que discorda das críticas avulsas e pouco rigorosas, preferindo as que abordam toda a dimensão do tema, incidindo nas suas causas determinantes porque é nelas que devem incidir as medidas terapêuticas para revitalizar a sociedade nacional. Compreendo a sua ideia e espero que surja um pensador, com saber teórico e bem informado das realidades, que elabore um estudo com tal dimensão (largueza e profundidade).
Mas penso que essa análise de diagnóstico com vista a posterior terapêutica só será eficaz se, entretanto, a população for incentivada à procura de dados parcelares sobre as realidades, a meditar naquilo que lhe é possível conhecer, a raciocinar livre de pressões interesseiras, vendo as diversas faces do poliedro e, dessa forma, ter opinião própria, poder confrontá-la com outras e poder um dia compreender a teoria de tal filósofo.
Nestas condições, não hesito em fazer transcrições de textos em que encontro dados que merecem ser tidos em consideração nas reflexões sobre os diversos temas, estando ou não em concordância total ou parcial com eles.
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