Transcrição de artigo, muito didáctico que merece atenta reflexão:
Dividir o consenso
Correio da Manhã. 27-04-2013. 01h00. Por: Medeiros Ferreira, Professor Universitário
Foi paradoxal o discurso do PR na Assembleia. Disse que era preciso o consenso e teve o efeito de dividir as bancadas entre os partidos do governo e os partidos da oposição.
E não foi a oposição que fabricou uma escuta facciosa, mas antes o tom estridente e pouco subtil das palmas dos deputados da maioria galvanizados por um apoio desmedido, que culminou com uma ovação de pé no fim da oração, a dividir ainda mais o hemiciclo. Em termos de consenso, o máximo que Cavaco Silva conseguiu foi adiá-lo para as calendas gregas.
Ora, num objectivo estratégico como o do consenso, o essencial joga--se na táctica e nos caminhos para o atingir. Não se chega ao consenso por declaração de emergência ou por decreto-lei, muito menos em "sociedades abertas" e "viradas para o exterior". Fora casos excepcionais, os consensos atingem-se pela via de propostas concretas, de diálogo, e de negociações que podem ser duras e albergar fases de antagonismo. Mesmo durante as guerras, foi assim em países democráticos. Não ter isso em conta quando se fala de consenso só serve para perder tempo e baralhar os espíritos. O consenso dá pois muito trabalho às partes envolvidas e a quem o quer promover.
Por outro lado, os consensos políticos podem ser gerais ou apenas focalizados em casos pontuais da agenda política. Pelo contexto do discurso do PR, pareceu-me que este se referia sobretudo aos decorrentes dos compromissos internacionais financeiros e monetários actuais, e à sempre desejada e adiada "disciplina orçamental". Ora, o garante desses compromissos é fundamentalmente o governo e a maioria que o apoia no parlamento. É mesmo saudável e realista deixar uma parte da representação do País com as mãos livres desses compromissos. Até porque há "desenhos", mesmo traçados por especialistas internacionais, que se revelam errados. O consenso no erro técnico é bem pior que o dissenso político.
A parte filosófica mais discutível do discurso de Cavaco Silva na AR foi a que pretendeu fixar o mandato dos futuros deputados, "independentemente do calendário eleitoral". Ora, "todo o mundo é feito de mudança", como diria Camões. Quem sabe se não haverá na próxima legislatura consensos diferentes, menos situacionistas e mais positivos?
Imagem de arquivo
Dividir o consenso
Correio da Manhã. 27-04-2013. 01h00. Por: Medeiros Ferreira, Professor Universitário
Foi paradoxal o discurso do PR na Assembleia. Disse que era preciso o consenso e teve o efeito de dividir as bancadas entre os partidos do governo e os partidos da oposição.
E não foi a oposição que fabricou uma escuta facciosa, mas antes o tom estridente e pouco subtil das palmas dos deputados da maioria galvanizados por um apoio desmedido, que culminou com uma ovação de pé no fim da oração, a dividir ainda mais o hemiciclo. Em termos de consenso, o máximo que Cavaco Silva conseguiu foi adiá-lo para as calendas gregas.
Ora, num objectivo estratégico como o do consenso, o essencial joga--se na táctica e nos caminhos para o atingir. Não se chega ao consenso por declaração de emergência ou por decreto-lei, muito menos em "sociedades abertas" e "viradas para o exterior". Fora casos excepcionais, os consensos atingem-se pela via de propostas concretas, de diálogo, e de negociações que podem ser duras e albergar fases de antagonismo. Mesmo durante as guerras, foi assim em países democráticos. Não ter isso em conta quando se fala de consenso só serve para perder tempo e baralhar os espíritos. O consenso dá pois muito trabalho às partes envolvidas e a quem o quer promover.
Por outro lado, os consensos políticos podem ser gerais ou apenas focalizados em casos pontuais da agenda política. Pelo contexto do discurso do PR, pareceu-me que este se referia sobretudo aos decorrentes dos compromissos internacionais financeiros e monetários actuais, e à sempre desejada e adiada "disciplina orçamental". Ora, o garante desses compromissos é fundamentalmente o governo e a maioria que o apoia no parlamento. É mesmo saudável e realista deixar uma parte da representação do País com as mãos livres desses compromissos. Até porque há "desenhos", mesmo traçados por especialistas internacionais, que se revelam errados. O consenso no erro técnico é bem pior que o dissenso político.
A parte filosófica mais discutível do discurso de Cavaco Silva na AR foi a que pretendeu fixar o mandato dos futuros deputados, "independentemente do calendário eleitoral". Ora, "todo o mundo é feito de mudança", como diria Camões. Quem sabe se não haverá na próxima legislatura consensos diferentes, menos situacionistas e mais positivos?
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