domingo, 3 de junho de 2018

A IDIOTIZAÇÃO DA SOCIEDADE

A idiotização da sociedade como estratégia de dominação

180205. Por Fernando Navarro


As pessoas estão imbuídas a tal extremo no sistema estabelecido, que são incapazes de conceber alternativas aos critérios impostos pelo poder.


Para consegui-lo, o poder vale-se do entretenimento vazio, com o objectivo de inflamar a nossa sensibilidade social, e acostumar-nos a ver a vulgaridade e a estupidez como as coisas mais normais do mundo, incapacitando-nos de poder alcançar uma consciência crítica da realidade.


No entretenimento vazio, o comportamento rude e desrespeitoso é considerado um valor positivo, como vemos constantemente na televisão, em programas asquerosos chamados “do coração”, e em tertúlias espectáculo onde a gritaria e a falta de respeito é a norma, sendo o futebol espectáculo a forma mais completa e eficaz que tem o sistema estabelecido para estupidificar a sociedade.


Nesta subcultura do entretenimento vazio, o que se promove é um sistema baseado nos valores do individualismo possessivo, onde a solidariedade e o apoio mútuo são considerados como algo ingénuo. No entretenimento vazio tudo está pensado para que o indivíduo suporte estoicamente o sistema estabelecido sem questionar. A História não existe, o futuro não existe; só o presente e a satisfação imediata. Por isso não é estranho que proliferem os livros de auto-ajuda, autêntica bazófia psicológica, o misticismo à la Paulo Coelho, ou infinitas variantes do clássico “como se tornar milionário sem esforço”.


Em última instância, do que se trata no entretenimento vazio é convencer-nos que nada se pode fazer: que o mundo é assim e é impossível transformá-lo, e que o capitalismo e o poder opressor do Estado são tão naturais e necessários como a própria força da gravidade. Por isso é normal ouvirmos: “é muito triste, mas sempre houve pobres e ricos e sempre haverá. Não há nada que se possa fazer”.


O entretenimento vazio conseguiu a proeza extraordinária de fazer com que os valores do capitalismo sejam também os valores dos escravizados por ele. (…)


O sistema estabelecido é muito subtil, com a sua estupidez forja as nossas estruturas mentais, e para isso vale-se do púlpito que todos temos em nossas casas: a televisão. Nela não há nada que seja inocente, em cada programa, em cada filme, em cada notícia, traduz sempre os valores do sistema estabelecido, e sem darmos conta, acreditamos que a verdadeira vida é assim, introduzem os seus valores nas nossas mentes.


O entretenimento vazio existe para ocultar a evidente relação entre o sistema económico capitalista e as catástrofes que assolam o mundo. Por isso é necessário que exista o espectáculo vácuo: de modo que, enquanto o indivíduo se auto degrada revolvendo-se no lixo que lhe dá o poder da televisão, não veja o óbvio, não proteste e continue a permitir que os ricos e poderosos aumentem o seu poder e riqueza, enquanto os oprimidos do mundo continuam a sofrer e a morrer devido às suas existências miseráveis.


Se continuarmos a permitir que o entretenimento vazio continue a modelar as nossas consciências, e portanto o mundo à sua vontade, isso acabará por nos destruir. Porque o seu objectivo não é outro que o de criar uma sociedade de homens e mulheres que abandonem os ideais e aspirações que os tornam rebeldes, para se conformarem com a satisfação de necessidades induzidas pelos interesses das elites dominantes. Assim os seres humanos ficam despojados de toda a personalidade, transformados em animais vegetativos, sendo desactivada por completo a velha ideia de lutar contra a opressão, atomizados num enxame de desenfreados egoístas, deixando as pessoas sós e desligadas umas das outras mais do que nunca, absorvidas na exaltação de si mesmas.


Assim, desta maneira, aos indivíduos não lhes resta energia para mudar as estruturas opressoras (que aliás não são entendidas como tal), não lhes fica força nem coesão social para lutar por um mundo novo.


Não obstante, se queremos reverter tal situação de alienação a que estamos submetidos, só nos resta, como sempre, a luta. Só nos resta contrapor outros valores diametralmente opostos aos do espectáculo vazio, para que surja uma nova sociedade. Uma sociedade em que a vida dominada pelo absurdo entretenimento vazio seja apenas uma lembrança dos tempos estúpidos em que os seres humanos permitiram que as suas vidas fossem manipuladas de maneira tão obscena.


1 comentário:

A. João Soares disse...

Óptimo motivo para reflectir. Este tema tem sido tratado por muitos pensadores, mas nunca é demais abordá-lo, e este autor fá-lo de forma muito clara e convincente. Henrique Neto já se referiu, no Semanário DIABO, ao obscurantismo criado pelo actual estilo da nossa comunicação social, eu já me referi a ele, ao correr da pena, em diversos dos meus escritos no mesmo semanário e em comentários no Facebook. Mas a «idiotização da sociedade», pelo «divertimento vazio» está a ser uma arma poderosa para a escravatura moderna. Há que lutar contra a opressão mental, contra a guerra psicológica que leva à aceitação de tudo, sem reflexão, sem pensar em alternativas, com mentalidade de rebanho ovino.