sábado, 4 de julho de 2020

ECONOMIA DO HIDROGÉNIO. ALGUNS PORMENORES

Economia do Hidrogénio: alguns pormenores

200704. Por Joaquim Delgado - Professor no Departamento de Eng. Eletrotécnica do IPV

O século XXI está já a ser um período de transição para uma economia energética cada vez mais descarbonizada e assente na captura de energia a partir de fontes renováveis, distribuídas e sustentáveis

O século XXI está já a ser um período de transição para uma economia energética cada vez mais descarbonizada e assente na captura de energia a partir de fontes renováveis, distribuídas e sustentáveis. Com o objetivo de assegurar uma transição suave para um novo paradigma energético, têm vindo a ser equacionadas alternativas como o uso da eletricidade e do hidrogénio (H2). Estes, não sendo fontes de energia, mas sim portadores de energia, permitem o transporte e o armazenamento de energia, tendo ambos vantagens e inconvenientes.

São apenas 5 os tipos de aplicações onde se gasta energia, nomeadamente: (i) acionamento mecânico, (ii) iluminação, (iii) geração de calor, (iv) alimentação das TIC e (v) transporte de informação em redes com e sem fios. Estas aplicações são cada vez mais asseguradas por tecnologias exclusivamente elétricas, e tendo esta energia cada vez mais origem em fontes renováveis, atinge-se uma gradual descarbonização. Apenas os setores dos transportes aéreo e marítimo e a geração de calor de alta temperatura em algumas indústrias colocam maiores desafios, mas que são também compatíveis com as fontes renováveis e a eletrificação.

Utilizando o vetor eletricidade, que já se encontra extremamente difundido e apresenta elevada segurança, a eficiência energética desde a saída de um gerador até à carga é de aproximadamente 90%. Considerando o uso de uma tecnologia de armazenamento de energia moderna, em qualquer ponto do percurso, esse valor poderá situar-se próximo dos 80%, havendo assim 20% de perdas.
No caso hidrogénio, como este elemento não existe isolado na natureza, terá que ser produzido, o que pode ser conseguido através de um processo de reforma das moléculas de hidrocarbonetos (com eficiência da ordem dos 65%), ou pela eletrólise da água (H2O) com eletricidade produzida por qualquer via (com eficiência da ordem dos 70%). Assim, só na produção perde-se 30% da energia. Outro aspeto importante é a disponibilidade de água para o processo de eletrolise, que pode não estar garantida no Verão em locais como as eólicas no topo das montanhas ou nos parques solares no Alentejo.

Posteriormente, é necessário proceder ao seu transporte para o local de consumo e/ou armazenamento, o que se pode concretizar por compressão (a 300 bar) ou por liquefação reduzindo a temperatura aos –252,87°C, para posteriormente o enviar em depósitos especiais ou em tubagem apropriada. Contudo os depósitos especiais são muito caros e no caso da tubagem, esta é atualmente inexistente (a rede de gás natural não serve) pelo que a sua implementação teria custos gigantescos. Se as distâncias não forem grandes, qualquer das alterativas tem perdas mínimas de 25%.
Uma vez disponível no local de consumo, o H2 será convertido novamente em eletricidade numa Pilha de Combustível com eficiência máxima de aproximadamente 50% e a energia à sua saída em DC necessita ainda ser convertida em AC, com inevitáveis perdas adicionais. Assim, com uso do vetor H2 na cascata de produção, transporte e uso perde-se aproximadamente 75% da energia. Isto significa ainda que, para cada unidade de energia no local de consumo, seria necessário injetar quatro vezes esse valor à entrada, energia essa que tem obviamente de ser produzida - e paga! Quanto à densidade de energia, o H2 é a molécula mais leve do universo e à pressão de 700 bar permite armazenar 142 MJ/kg e 5,6 MJ/l, enquanto que numa bateria de iões de lítio os valores atuais são da ordem de 2 MJ/kg e 5 MJ/l. Contudo, para armazenar o H2 são necessários depósitos muito pesados e essa vantagem perde-se.

Adicionalmente, há o aspeto da segurança, pois o H2 é perigoso em qualquer estado e se for altamente pressurizado constitui uma bomba real. Basta ter em consideração que atualmente é proibida a entrada de veículos a GPL (depósito com 8 bar) nas garagens e parques fechados, sendo assim inimaginável permitir um veículo a H2 com um depósito a 700 bar. Toda a cascata do H2, e as Pilhas de Combustível em particular, são tecnologias imaturas, com tempos de vida curtos, assente em metais nobres, caras, altamente sensíveis a impurezas no H2 e para as quais não se vislumbram formas de anular a sua alta inflamabilidade e a perigosidade, sendo assim sempre uma alternativa muito arriscada.

Em Portugal, produzir hidrogénio com eletricidade renovável (H2 verde) possibilitaria armazenar mais eletricidade nos períodos em que essas fontes estão disponíveis para posterior uso em períodos de escassez. Contudo, esta está muito longe de ser a melhor solução tecnológica para esse objetivo, pois faz muito mais sentido utilizar a eletricidade renovável excedentária para produzir Metano (CH4 verde) num processo tecnologicamente já maduro, fácil de controlar, mais seguro, mais eficiente e sobretudo compatível com a infraestrutura de transporte e de armazenamento de gás natural do país. Esta opção permitiria alimentar diretamente cargas domésticas, industriais e assegurar a geração de eletricidade em Centrais de Ciclo Combinado, que hoje consomem gás natural, assim como o transporte marítimo e o aéreo com combustíveis sintéticos. É isto que está a fazer a Califórnia para concluir a descarbonização em 2040, faltam só 20 anos!

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