Devemos respeitar os velhos
(Public em O DIABO nº 2263 de 15-05-2020, pág 16)
Uso o termo “velho” porque não gosto de ser arrastado pelos caprichos que alteram a estrutura da nossa Língua e “idoso” não enriquece o substantivo e fazem-no rimar com mentiroso, horroroso e outras palavras abomináveis. Prefiro “velho” porque significa detentor de muito saber e experiência da vida, o que levou os sobas africanos a terem um Conselho de Velhos a que recorriam sempre que tinham de tomar uma decisão importante para a tribo.
Agora, por azar das nações, os governantes e seus assessores consideram os velhos como uma “peste grisalha” e preferem tomar decisões por palpite ou capricho, o que muitas vezes origina erros demasiado insensatos que os obriga a alterações e emendas, tornando as burocracias confusas e sem garantia de se aguentarem por muito tempo. Por isso as leis são duvidosas e deixaram de ser “sagradas”.
A condenação dos velhos ao confinamento forçado e sem qualquer hipótese de arejar leva um constitucionalista a afirmar que “os idosos não devem ser submetidos a medidas extremas de isolamento social. Ainda não é proibido ser velho”. O isolamento social, sem sequer poderem contactar os descendentes, é um exagero com excepções ilógicas. Um cidadão sem cão, tem que vegetar encerrado nas quatro paredes de casa, mas se tiver um cão pode passar o dia praticamente todo na rua, porque não é possível controlar quantas vezes passeia o cão e quanto tempo demora cada passeio. Sem cão, o velho pode ser condenado a morrer da cura da pandemia. A tal rigor têm sido reconhecidos inconvenientes de âmbito mental psicológico, de saúde pública, de economia, de justiça. Quantos doentes morreram por terem sido parados os tratamentos, as consultas e as cirurgias? E muitos dos que não morreram podem ter piorado e abreviado o fim da vida.
Não é por acaso que muitos países evoluídos reconheceram o erro de terem imitado outros com restrições exageradas e decidiram rever os seus sistemas de confinamento, permitindo aos seus cidadãos mais actividade em liberdade, mas com regras de higiene, protecção, tratamentos e distanciamento social adequados. Nisso há um ponto marcante que é a séria e consequente formação ética, por forma a evitar infectar outros ou ser por eles infectado, porque ninguém tem garantia de não estar a incubar a doença ou de os outros estarem nessas condições.
E há quem diga que não se percebe quem é inimigo do povo, se o covid-19 ou se as autoridades demasiado autoritárias e pouco sensatas e esclarecidas. Há quem diga que está a ser aproveitada a oportunidade para, depois do falhanço, se criar a eutanásia, se estar a obter resultado semelhante criando solução geradora de incapacidade mental… para reduzir o número de velhos e a quantidade de pensionistas, para superar a crise social, ultrapassar a crise sanitária e aliviar a crise económica do Estado; mas, com isso, o País sairá muito diminuído como comunidade, a nível internacional. Devemos respeitar os velhos porque constituem um valor social e porque cada cidadão deseja vir a ser velho. Ninguém quer envelhecer para morrer, mas para continuar a viver, aproveitando aquilo que a vida lhe ensinou.
A vida constitui o milagre mais espantoso, mais indescritível e pródigo que nos calhou em sorte e é pena que, a pretexto da pandemia, tenham surgido tantas restrições às liberdades que a Constituição nos confere. A vida, se bem aproveitada, constitui um laboratório, uma escola, em que se aprofunda o significado da esperança e do amor, não apenas o amor aos familiares mas a qualquer próximo. E se a esperança e o amor forem bem interpretados na humanidade, esta passará a ser mais pacífica e harmoniosa, sem guerras nem ódios. Nisso, seria bom que aprendêssemos o que tem circulado em vídeos da vida animal.
A crise que mina a sociedade mostra que os velhos estão a ser tratados como uma desprezada periferia, e isso foi agora mais salientado. Estamos num estado de degradação da sociedade em que as pessoas já não morrem fatigadas da vida, mas simplesmente cansadas com o estado da humanidade. ■
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